Em seu novo álbum lançado este ano, Odair José trouxe, além de músicas inéditas, uma outra novidade: o uso da inteligência artificial na produção de algumas faixas. A opção pelo uso da ferramenta ficou clara na escolha do título do disco: Os Seres Humanos e a Inteligência Artificial.
Segundo o cantor e compositor, “não adianta fugir do assunto. A IA está aí e não vai embora (...) É melhor que a gente discuta como ela pode ser usada do que simplesmente a ignorar”.
Hoje sabemos que a chamada inteligência artificial generativa pode ser usada para criar músicas, pinturas, textos e até invenções técnicas. Mas essa atitude resignada de Odair José sobre a IA não é tão comum entre artistas e gravadoras. O que se vê hoje mundo afora são acusações de que seu uso tem violado direitos autorais.
As gravadoras Sony Music, Universal Music a Warner Records, por exemplo, estão processando as empresas Suno e Udio que mantêm programas generativos de criação musical por meio de IA. De acordo com as gravadoras, as empresas, para alimentarem seus programas, usam músicas protegidas por direitos autorais sem a devida permissão. Deveriam pagar uma indenização por cada obra que foi utilizada.
Por aqui, a cantora Marisa Monte defendeu no mês passado que o projeto de lei que regulamenta a inteligência artificial no Brasil (PL 2338/23) trate de Direitos Autorais. A proposta está para ser votada pelo Senado.
É interessante que essa discussão joga luz não só sobre a necessidade de adequação da regulação atual, mas sobre o próprio conceito de propriedade intelectual.
Seus críticos a consideram, na verdade, um privilégio artificialmente criado pelo Estado e concedido para a exploração exclusiva de bens que não são escassos.
Citam que, quando alguém utiliza um bem material (um carro, por exemplo), não há como outra pessoa também utilizá-lo ao mesmo tempo. Está aí a noção de escassez. Isso não ocorre com bens imateriais. A execução de uma obra ou utilização de um invento podem ocorrer de forma simultânea por mais de uma pessoa.
Outro questionamento é sobre como medir a contribuição relativa às criações humanas. A invenção do smartphone, por exemplo, é resultado do esforço intelectual de vários inventores ao longo de mais de cem anos, mas não houve uma recompensa para todos eles.
A Suno e a Udio, ao se defenderem das acusações das gravadores, alegam que fazem uso justo das músicas. O princípio de uso justo (fair use) está previsto em algumas legislações como a dos Estados Unidos e visa harmonizar o direito autoral com outros princípios como acesso à cultura e a liberdade de expressão. Com base nele e diante de algumas circunstâncias, uma obra pode ser utilizada por terceiros sem a autorização do titular dos direitos autorais. Um exemplo desse uso são as paródias.
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As gravadoras, é claro, não concordam com este argumento, principalmente, em razão do alto faturamento que as empresas de IA estão tendo.
A despeito, porém, dessa discussão sobre a autorização ou não da utilização das obras, uma dúvida ainda paira no ar. Como rastrear esse uso não autorizado que se alastra rapidamente pela internet?
Fato é que juízes e legisladores estão com grandes desafios pela frente. O que podemos esperar é que a regulação do uso da Inteligência Artificial traga novos paradigmas para os direitos autorais.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com