Carolina Figueira
Carolina Figueira
Carolina Figueira é historiadora da alimentação e pesquisadora do gosto alimentar. Doutora em história (UÉvora/UFMG), leciona no ensino superior em gastronomia da Faculdade Senac Minas. Desenvolve projetos sobre alimentação, cultura e sociedade.
HISTÓRIA À MESA

Listas e rankings: o melhor pra quem?

Aquela avaliação diz respeito a quem avaliou, quando, como, com quais critérios, com quais objetivos, para qual público

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Está quase virando um ritual aqui em casa: findar o domingo na calçada da Rua Sergipe, em Belo Horizonte, comendo um sanduíche no Nimbos Bar. No último dia 7 de setembro, pelo menos, foi assim.

O hambúrguer foi recentemente premiado pelo ranking do Burger Fest 2024. E eu devo dizer: gosto mesmo do que servem ali. A casa tem constância – não sofre grandes variações de um dia para outro –, não pratica preços exorbitantes, o cardápio é enxuto e bem pensado, o hambúrguer tem umidade, é agradável de comer, não faz lambança, não vem nem exagerado nem tímido demais. É bom. Muitas vezes pode ter fila, é verdade. Mas esse é um problema plenamente aceitável. Sintoma de que mais gente reconhece valor ali.

O meu problema é, na verdade, com os ranqueamentos. Eles são perigosos. Perigosos porque podem transmitir uma ideia equivocada: a de que estão elencando “os melhores”. Bom, mas não é isso que eles fazem? Não exatamente.

Rankings elegem a partir de critérios – estabelecidos ou não, declarados ou não. Avaliam qual atendeu melhor às expectativas deles, não às suas. E é aí que o jogo muda. Cada ranking funciona de uma forma. Alguns têm avaliadores treinados, outros não. Alguns deixam claro os valores avaliados. Alguns têm influências comerciais, políticas, sociais, culturais... Todos têm influências. E é justamente isso que a gente, enquanto consumidor, precisa compreender. Aquela avaliação diz respeito a quem avaliou, quando, como, com quais critérios, com quais objetivos, para qual público. Não é pouca coisa.

Um ranking é uma avaliação. E toda avaliação tem marcas, escolhas, ausências. Você pode concordar, discordar, acrescentar. Pode usar como guia, ou como provocação. Mas não pode tratá-la como valor absoluto.

Gosto não nasce pronto. Se forma. Se aprende. Se constrói. Se organiza por critérios históricos, culturais, sociais e políticos. Reflete distinções, exclusões, estratégias de legitimação. Opera também como ferramenta para vender mais. Funciona como marca, como medida, como discurso. Nunca é neutro. E nunca é apenas pessoal.

É tão complexo que eu escrevi uma tese de doutorado sobre o assunto (não é brincadeira, escrevi mesmo. Espero poder publicar em breve. Alô, editoras!). Ao longo de muitos anos, venho estudando como alguns guias e rankings gastronômicos operam distinções, moldam o gosto e elegem o que supostamente merece ser valorizado. Como aquilo que chamamos de “bom” muda ao longo do tempo.

Nem sempre o que é premiado precisa coincidir com o seu gosto. O perigo está em se esquecer disso. Porque toda vez que alguém diz o que é melhor está dizendo a partir de um ponto, de uma experiência (ou de algumas). Está elencando juízos, códigos, valores.

Reconhecer o gosto como construção é também recusar que nos digam, sem questionamento, o que vale mais, o que merece prêmio, o que deve ser esquecido. Educar o gosto não é alinhar preferências a um padrão – é justamente o contrário. É ampliar o repertório, tensionar certezas, experimentar com consciência. É perceber que gosto não se reduz à preferência individual, nem se define pelo lugar ocupado num ranking.

Dito isso, listas podem ter sua utilidade – desde que saibamos ler suas camadas de informação.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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