
Livro 'O perfeccionista' revela curiosidades sobre chefs de todo o mundo
O autor, Rudolph Chelminski, aborda o rigor e o talento do francês Bernard Loiseau (1951-2003), além da relevância do 'Guia Michelin'
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Não posso me queixar de não ter aproveitado as viagens que fiz ao exterior. Como meu marido também era chegado à boa mesa, quando chegávamos a qualquer cidade, grande ou pequena, gostávamos de procurar um restaurante onde pudéssemos comer bem.
É claro que encontrávamos muitas casas de primeira, tenho receitas fornecidas por cozinheiros que vinham à sala e me passavam todos os ingredientes usados em sua especialidade. Com isso, tenho memória gastronômica razoável e receitas que repito eventualmente para convidados especiais.
É por isso que estou lendo “O perfeccionista”, de Rudolph Chelminski, que relata as conversas do autor com alguns dos maiores chefs do mundo, principalmente com Bernard Loiseau (1951-2003), a quem acompanhou até o suicídio.
“Pierre Loiseau guardou uma lembrança extraordinariamente viva do entusiasmo onívoro que caracterizava seu primogênito”, relata Chelminski: “No começo dos anos 1960, quando Bernard tinha cerca de 10 anos, eu o levei e a Rémy para o norte, para lhes mostrar Paris. No caminho de volta, parei para almoçar num lugar agradável que conhecia na região de Sologne, na metade do caminho de volta para a casa. Acho que era a primeira vez que Bernard via um cardápio de verdade num restaurante de verdade. Quando perguntei aos garotos o que ele queriam, Bernard logo disparou: 'Je veux tout' ('Quero tudo').”
Bernard era todo superlativo e jamais conseguia ocultar coisa alguma. “Não era dado a nuances. Com ele, as coisas eram ou fantásticas ou repugnantes. Quando se tornou famoso e começou a visitar os restaurantes de seus confrères, sempre voltava com o mesmo veredito: 'A comida lá não era boa'”, escreve Chelminski.
O capítulo dedicado ao guia de restaurantes, começando com o mais importante, o “Michelin”, é ótimo, porque ensina ao frequentador da casa o quanto sua avaliação é importante na distribuição das estrelas, que definem quem é ótimo e quem não é.
Os dados iniciais eram fornecidos pelas cartas dos comensais, até passar para os especialistas dos guias. E a luta pelas três estrelas consagradoras é uma verdadeira guerra. “'Quem está dentro? Quem está fora?' Com o surgimento do novo sistema de estrelas, a questão ritual dispara, percorrendo os circuitos gastronômicos todos os anos, na época da Páscoa... Desde aquela época inicial, o debate sobre as três estrelas se tornou uma instituição nacional, um episódio anual tão previsível quanto o solstício do verão, uma matéria com sucesso garantido em todos os jornais, revistas e programas de tevê”, aponta o autor.
“O afortunado chef que é promovido a três estrelas se torna instantaneamente uma celebridade, e a prosperidade econômica de seu restaurante se aproxima de ganhar para valer na loteria, com a clientela e os lucros aumentando entre 30% e 60%, e uma tremenda honra profissional, o bastão de comando do ramo”, prossegue.
“Todo mundo sabe disso. De repente, os mesmos bancos que vinham se mostrando avaros nos empréstimos começam a acariciar o chef com beijos efusivos e ardorosos. Nenhuma outra instituição de qualquer outro guia ou crítica isolada tem o mesmo efeito de decolagem com as três estrelas do 'Michelin'.”
O “Guia Michelin” não aceita anúncios. É o único da França considerado sem armadilhas, sem dinheiro por baixo do pano e outros truques conhecidos. “Atualmente, com a Igreja se tornando irrelevante, vinho se tornando açucarado e 100 mil papais noéis de supermercado entoando milhões de rô-rô-rôs de plástico, o inspetor Michelin talvez seja o último símbolo da virtude absoluta ao qual a França possa se ater. No mínimo, os restaurateurs confiam neles – cem por cento”, escreve Rudolph Chelminski.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.