Qual dor você esconde?
Quando foi a última vez que você se permitiu reconhecer essa dor, sem tentar encobri-la?
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O prazer, muitas vezes, nasce como um alívio para a dor. Quando sentimos desconforto, o cérebro busca um caminho rápido para escapar. É assim que, sem perceber, começamos a chamar de prazer aquilo que, na verdade, apenas anestesia.
Mas qual dor está por trás dessa busca? A dor da rejeição, da ansiedade, do cansaço, do aborrecimento, do medo, da humilhação, da solidão, do fracasso, da inadequação? E quando foi a última vez que você se permitiu reconhecer essa dor, sem tentar encobri-la?
Cada um de nós, em algum momento, procura um tipo de prazer que sirva como anestesia, algo que nos afaste da dor, ainda que por instantes. Cada pessoa tenta aliviar um incômodo diferente e faz isso à sua maneira: com comida, sexo, bebida, conquistas, redes sociais, compras ou excesso de trabalho. O que tem sido a sua válvula de escape?
Esses comportamentos não representam fraqueza; são tentativas humanas de encontrar refúgio. Por isso, mais do que julgar, precisamos compreender que “toda compulsão é uma dor disfarçada”. Será que você reconhece qual dor sua busca de prazer está tentando silenciar?
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A neurociência explica que, quando vivemos algo prazeroso, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor relacionado ao bem-estar e à motivação. Esse mecanismo, chamado circuito de recompensa, foi essencial para a sobrevivência da espécie. Ele nos impulsionava a buscar o que era vital: alimento, abrigo, conexão e reprodução.
A cada experiência gratificante, o cérebro registrava o aprendizado e reforçava o comportamento, garantindo a continuidade da vida e da espécie.
Mas, na vida moderna, esse sistema passou a se desregular. O excesso de estímulos, como notificações, curtidas, consumo e conquistas, ativa a dopamina repetidas vezes. Com o tempo, o cérebro passa a buscar o prazer pelo prazer, e não mais pela necessidade real. Surge um ciclo incessante de desejo e frustração: o prazer chega rápido e vai embora depressa, deixando o vazio de quem precisa de uma nova dose para se sentir vivo.
Quantas vezes nos pegamos julgando o outro por seus excessos, seja comida, compras, trabalho, séries ou redes sociais, sem perceber que, por trás de cada compulsão, existe uma tentativa inconsciente de aliviar alguma dor? A neurociência mostra que o comportamento compulsivo é uma estratégia de fuga, e não uma escolha racional. É o cérebro pedindo alívio. Quando olhamos com compaixão para nossas repetições, abrimos espaço para o autoconhecimento e o perdão. E você? Consegue olhar para si com gentileza quando repete padrões que não gostaria de ter?
A dor não é inimiga; ela é mensageira. Mostra o que precisa ser visto, acolhido e transformado. Quando ignoramos ou anestesiamos essa dor, ela apenas muda de forma e reaparece, mais intensa, em outros contextos. Que sentimentos têm tentado lhe chamar atenção e você tem tentado calar?
Em vez de perguntar “por que faço isso?”, talvez a pergunta mais honesta seja: “o que dentro de mim ainda dói e que estou tentando silenciar com prazer?” E se, em vez de fugir, você desse espaço para essa dor falar?
O autoconhecimento nasce desse encontro com o que evitamos. Ele começa quando deixamos de lutar contra a dor e passamos a escutá-la. A visão sistêmica nos lembra que há histórias, memórias e padrões familiares por trás de muitas buscas por prazer; heranças invisíveis que moldam nossa relação com o desejo, com o corpo, com o sucesso e até com o amor. Quando trazemos consciência, transformamos compulsão em cura e o prazer volta ao seu propósito original: preservar a vida, e não aprisioná-la. Que padrão familiar sobre prazer, esforço ou realização você percebe ecoando em sua história?
Talvez a verdadeira libertação não esteja em eliminar o prazer, mas em reconhecer a dor que ele esconde. Olhar para ela com amor, sem pressa, apenas compreendendo o que tenta nos dizer. Como seria sua vida se, ao invés de fugir da dor, você a acolhesse como parte do seu crescimento?
Como escreveu Carl Jung: “Não nos tornamos iluminados imaginando figuras de luz, mas tornando consciente a escuridão.”
Que possamos, então, iluminar o que dói e descobrir que, atrás de cada dor acolhida, existe um pedaço de nós pronto para renascer.
Desejo que você caminhe com delicadeza por dentro de si, sem pressa e sem cobranças. Que, ao tocar suas sombras, descubra também a força silenciosa que sempre esteve aí, esperando para florescer.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
