ALESSANDRA ARAGÃO
Alessandra Aragão
Comunicadora, trabalha com desenvolvimento humano, atuando em terapia sistêmica, mentoria positiva e coaching de vida e carreira
(RE)INVENTE-SE

A memória que vale a vida

Se fosse hoje, se a vida se encerrasse nesse instante, qual seria a memória que você escolheria guardar para sempre?

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Recentemente, o colégio onde estudei completou 75 anos e decidiu reunir seus ex-alunos. Faço parte da turma que se formou em 1987, e aquele encontro foi um mergulho em lembranças. Entre histórias, abraços e memórias compartilhadas, fomos nos reconectando não apenas uns com os outros, mas também com a nossa própria jovialidade, que parecia adormecida e voltou a pulsar ali, diante de tantas recordações.

No meio das conversas, lembrei-me de uma amiga que tinha conhecido seu atual namorado havia pouco tempo. Ambos já maduros, por volta dos 55 anos, viviam um grande encontro. Bastava observar os dois para perceber a felicidade estampada, uma felicidade quase indecente, daquelas que não se escondem, que gargalham alto e se deixam ver por todos, sem nenhuma dúvida ou disfarce. Era o brilho do amor verdadeiro, vivido com intensidade e entrega.

 

Mas o destino, em sua imprevisibilidade, retirou esse romance do caminho. Ele sofreu um AVC e não sobreviveu. Ficamos todos consternados e, de imediato, nos unimos para cercá-la de carinho, presença e escuta. No entanto, o que surpreendeu foi perceber que, embora profundamente abalada, ela transmitia uma leveza inesperada, uma espécie de luz que desarmava a dor. Até que, em certo momento, ela disse algo que ecoou dentro de mim:

“Não se preocupe comigo, estou bem. Eu vivi um amor verdadeiro. Eu poderia ter partido sem conhecer isso, mas eu conheci. Portanto, sou feliz. Agradeço a Deus por ter me permitido viver essa experiência. Já valeu.”

Naquele instante, imediatamente me lembrei do filme Depois da Vida (After Life, 1998), do diretor japonês Hirokazu Kore-eda. Na trama, cada pessoa que morre passa por um processo delicado: durante uma semana, precisa escolher uma única lembrança para levar consigo na eternidade. Essa memória, a mais significativa de sua vida, é recriada por uma equipe e, depois de revivida, torna-se o registro eterno que acompanhará aquele ser para além da existência.

 

E aqui deixo uma provocação: se fosse hoje, se a vida se encerrasse nesse instante, qual seria a memória que você escolheria guardar para sempre? Qual experiência teria tanta força que pudesse resumir o sentido de sua existência?

O filme ainda amplia essa reflexão ao mostrar as diferentes formas de como as pessoas lidam com o passado. Alguns chegam sem nenhuma lembrança que considerem digna de ser escolhida; carregam apenas arrependimentos ou a sensação de que nada de bom foi vivido. Outros, ao contrário, se veem diante de tantos momentos especiais que não sabem decidir qual deles é o mais importante. Há ainda aqueles que não conseguem se recordar, como se a vida tivesse passado sem ser notada. E existem também os que não ousam lembrar, porque acessar certas memórias é tocar em feridas que preferem manter adormecidas.

Esse cenário nos provoca a olhar para nós mesmos: estamos realmente vivendo de forma a acumular memórias que gostaríamos de levar conosco para sempre? Ou estamos apenas atravessando os dias, permitindo que eles passem despercebidos, como se não houvesse nada digno de ser guardado? Quantas vezes a rotina, o excesso de preocupações ou mesmo o medo nos impedem de viver experiências que poderiam se tornar lembranças inesquecíveis?

Foi exatamente isso que encontrei nas palavras da minha amiga. A lembrança de ter vivido um amor verdadeiro já lhe bastava como resposta à vida. Essa reflexão me conectou ao pensamento de Viktor Frankl, psiquiatra austríaco, que dizia: “Não devemos perguntar o que esperamos da vida, mas sim o que a vida espera de nós.” A vida, em sua imprevisibilidade, nos coloca diante de perdas, alegrias, encontros e despedidas. Mas o que dá sentido a tudo isso é a maneira como respondemos, o significado que escolhemos atribuir a cada experiência.

Frankl defendia que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, ainda somos livres para decidir como reagir. E é justamente essa liberdade que transforma a dor em aprendizado, o luto em gratidão, a lembrança em força.

Assim como no filme, a vida talvez seja um convite para escolhermos, a cada dia, quais memórias desejamos cultivar. Nem sempre podemos controlar o que nos acontece, mas podemos escolher aquilo que guardamos no coração, o que permitimos desabrochar como lembrança eterna. Talvez a vida nos peça justamente isso: consciência, presença e coragem de viver de tal forma que, quando chegar a nossa hora, possamos olhar para trás e dizer: “já valeu.”

A história da minha amiga nos mostra que o sentido não está em quantos anos durou uma relação, mas na intensidade com que foi vivida. Talvez a vida nos espere exatamente aí: no gesto de reconhecer, mesmo em meio à dor, que valeu a pena.

E você? Se tivesse que escolher hoje uma única memória para levar consigo, qual seria? Está vivendo de modo a construí-la ou ainda esperando que ela aconteça sem a sua atenção.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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