
Meu filho não é o que desejei, e tudo bem
Filhos não vêm ao mundo para nos completar ou nos compensar. Eles não estão aqui para curar a nossa história, mas podem, sim, revelá-la
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Ao escrever recentemente sobre a síndrome do patinho feio, me peguei pensando em algo que vai além do sofrimento de quem se sente fora do ninho: pensei na mãe pata. Como será olhar para um filho tão diferente dos demais? Como é conviver com esse estranhamento que aparece silenciosamente quando o que se vê diante dos olhos não corresponde ao que se sonhou?
É difícil falar sobre isso. Afinal, espera-se que o amor materno ou paterno seja incondicional desde o primeiro instante. Mas a realidade nem sempre acompanha esse ideal. Muitas vezes, junto com o amor, aparece a frustração, por não enxergar naquele filho a imagem que foi idealizada durante a gestação, na infância, na adolescência ou mesmo na vida adulta.
Sem perceber, pais e mães começam a fazer comparações. Com os irmãos, com os primos, com os filhos dos amigos. E o que nasce disso é uma sensação de inadequação, para todos os lados. O filho se sente insuficiente. Os pais se sentem culpados, perdidos, ou, muitas vezes, exigentes demais. É nessa brecha que crescem as projeções.
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Muitos pais, diante daquilo que viveram ou não viveram, do que receberam ou não, e às vezes do que não conquistaram, começam a transferir aos filhos os próprios desejos e frustrações. Querem dar o que não tiveram, oferecer uma infância mais leve, uma vida mais segura e, em muitos casos, também querem escolher por eles: a profissão, o parceiro amoroso, o estilo de vida. Mas ao projetar sobre os filhos seus sonhos não realizados, colocam sobre eles o peso de uma missão que não lhes pertence.
E quando esse filho não corresponde? Quando decide seguir outro caminho, expressar quem realmente é, fazer escolhas que vão na contramão do que se esperava? Muitos pais se decepcionam. Outros se afastam. Mas há também aqueles que, nesse momento, despertam. Percebem que amar alguém é diferente de controlar. E que respeitar o outro como ele é pode ser um dos maiores atos de amor.
Filhos não vêm ao mundo para nos completar ou nos compensar. Eles não estão aqui para curar a nossa história, mas podem, sim, revelá-la. E a partir dessa revelação, nos oferecer a chance de curar a nós mesmos.
Essa reflexão, no entanto, não termina aqui. Porque, ao olhar para esse tema, uma pergunta naturalmente emerge: “E você? Será que foi o filho ou filha que seus pais desejaram?” Nem sempre fomos vistos como realmente éramos. Muitos de nós crescemos tentando atender às expectativas da família, calando vontades, mudando comportamentos, reprimindo talentos.
Fomos adaptando nossa essência para caber no molde da aprovação, ou para receber o amor que tanto desejávamos. Porque, no fundo, todo filho deseja apenas isso: ser amado como é. E talvez seja por isso que, ao nos tornarmos pais e mães, repitamos inconscientemente o ciclo. A dor que sentimos um dia, agora é repassada a quem mais amamos, mas com outra roupagem: a da exigência disfarçada de cuidado, a da projeção camuflada de proteção.
A cura começa com consciência. Começa quando somos capazes de dizer: “Meu filho não é o que desejei… e tudo bem. Ele é quem é”. Talvez eu não tenha sido o filho que meus pais sonharam… e tudo bem. Eu sou quem sou. Essa aceitação tem o poder de interromper o ciclo da dor silenciosa que atravessa gerações. Ela nos convida a um amor mais maduro, mais lúcido e mais presente.
A amar sem idealizar. A acolher sem comparar. A reconhecer a beleza única de cada ser, mesmo que aos nossos olhos ele pareça um “patinho fora do padrão”. Porém, é importante fazer uma distinção: aceitar um filho como ele é não significa abrir mão do nosso papel como educadores. Cabe aos pais orientar, proteger, estabelecer limites, ensinar valores. Isso faz parte do cuidado, do amor responsável.
O problema está em confundir cuidado com imposição, orientação com controle, amor com expectativa. Há uma diferença delicada entre oferecer caminhos e exigir resultados. Entre educar com presença e sufocar com projeções. Entre amar o que o filho é, e tentar moldá-lo ao que se gostaria que fosse.
Com isso, chegamos a uma fronteira delicada e poderosa: o ponto em que percebemos que não podemos moldar os filhos ao nosso ideal, e também não podemos continuar carregando, sem consciência, os moldes que recebemos. Para transformar esse ciclo, é preciso coragem. Coragem para soltar o controle, rever crenças, abrir espaço para o que é real, e não apenas para o que foi sonhado.
Como disse Viktor Frankl, “quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”. E talvez esse seja o chamado mais profundo da parentalidade consciente para a nossa reinvenção: crescer junto com os filhos. Permitir que a diferença nos transforme, e que o amor nos ensine a aprender com eles.
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