
Quando as distrações sequestram nosso descanso
É no intervalo que a música respira. É na pausa que o texto ganha sentido. É no silêncio que a alma se organiza
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Descansar não precisa ter uma finalidade. Não precisa servir para produzir mais, ser mais criativo ou render melhor no dia seguinte. Por que tudo precisa ter um propósito para ser valorizado? O descanso pode, simplesmente, ser. Um direito. Um espaço. Um tempo sem meta. Uma pausa sem justificativa.
Mas essa ideia ainda parece absurda para muitos de nós. Recentemente, tirei uma semana para descansar e, quando me vi, estava envolvida em leituras, hobbies e atividades. Estava em um desses hotéis “all inclusive” de refeições e “atividades”. Quais seriam essas atividades no “descanso” que a gente se propõe a fazer? Elas estão, e continuam, ligadas ao desempenho. O descanso foi sequestrado por nossa distração. Estamos realmente descansando ou apenas nos distraindo de outro jeito?
Há um desconforto grande em estar parado, com o tempo que não é preenchido, que não é falado. Esse excesso de estímulos nos obriga, o tempo todo, a ficar escolhendo o que é importante, prioritário. O que serve e o que não serve, o que é verdadeiro e o que é falso. É preciso sair dessa função de utilidade para tudo, para poder descansar. Descansar nossa vista, nossos ouvidos, nossa voz, nosso olfato, nosso paladar, nossos sentidos. Precisamos “reaprender” a não fazer nada.
Fomos ensinados a justificar tudo, inclusive o cansaço. E você? Só se autoriza a parar quando chega ao limite? Em geral, só nos autorizamos a parar quando já estamos exaustos, ou até mesmo, adoecidos. Dormimos com culpa, paramos com pressa e até o lazer vira tarefa: algo que precisa ser “bem aproveitado”, “otimizado”, “compartilhado”. O descanso foi sequestrado pela lógica da produtividade.
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Passou a ser visto como meio, não como fim. Como estratégia, não como experiência. E, com isso, perdemos algo essencial: o direito de simplesmente existir.
Descansar é existir sem desempenho. Permitir-se o tédio. O vazio. A ausência de propósito imediato. É poder sentar sem fazer nada, andar sem destino, olhar o céu sem culpa. Parece pouco, mas é revolucionário. Num mundo que exige movimento constante, quem escolhe a pausa rompe com uma estrutura inteira. Quem defende o descanso, defende uma nova forma de habitar o tempo. Que tipo de relação você quer desenvolver com o tempo: domínio ou parceria?
O ócio criativo, que tantos estudiosos e artistas defendem, só nasce onde há espaço. E o espaço não se cria com pressa. Há uma sabedoria silenciosa no nada que também ensina. É no intervalo que a música respira. É na pausa que o texto ganha sentido. É no silêncio que a alma se organiza.
Eu mesma confesso que já tive muitas ideias que surgiram nesse espaço de tempo, do “nada”. Quantos insights já não tive sem intenção, no meio de uma festa, de uma conversa despretensiosa, de um momento de contemplação? Considero esses momentos como momentos de fluidez. Não me julgo, me permito. Isso não é ser workaholic, é estar no fluxo e simplesmente se permitir ser.
Mas, para isso, é preciso coragem. A coragem de não render, de não agradar, de não estar sempre acessível. A coragem de dizer: “Hoje, eu só quero estar”. E isso não é abandono, perda de tempo ou fraqueza. É presença. Uma presença mais leve, mais inteira, mais honesta.
Nem sempre é fácil. Vivemos em uma cultura que mede valor pelo que se entrega. O tempo ocioso é visto como desperdício. O tédio, como falha. O silêncio, como ausência. Por isso, descansar por descansar pode ser desconcertante no início. Pode despertar inquietação, sensação de improdutividade, pensamentos como: “Eu deveria estar fazendo algo”.
Mas, com o tempo, esse espaço se transforma. O que era incômodo vira refúgio. O que era vazio se torna campo fértil. A mente desacelera. O corpo agradece. A alma se acomoda, não por falta de ambição, mas por respeito e necessidade do descanso, sem culpa, sem meta, sem finalidade. Descansar por descansar, porque o corpo precisa e a alma pede. E sem porquês, simplesmente porque isso também é viver. É lembrar que não somos máquinas, mas seres vivos em constante movimento interno. Parar, às vezes, é a única forma de seguir adiante de maneira mais saudável e inteira.
Te convido a experimentar o descanso hoje mesmo. Seu corpo pode estar te pedindo uma pausa e você ainda não percebeu. Escolha um momento para simplesmente não fazer nada. Não leia, não responda mensagens, não limpe a casa, não “aproveite” o tempo. Apenas pare. Respire. E perceba o que acontece quando você se autoriza a existir, sem precisar justificar sua existência.
Bom descanso!
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