
Bem-vindo, Sampaoli! E muito obrigado, meu velho Mineirão
Já vi a torcida do Atlético fazer Réveillon em março e carnaval em dezembro. Mas nunca tinha visto a gente contratar um técnico
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Eu já vi a torcida do Atlético ganhar jogo. Virar placares impossíveis. Destituir presidentes. Eleger outros. Já vi a torcida do Atlético desenhar e esgotar camisas, dar a volta na sede para comprar livros, fazer de cinemas arquibancadas, invadir a Câmara Municipal, eleger prefeito, votar em atacante, goleiro, presidente de organizada. Já vi a torcida do Atlético fazer Réveillon em março e carnaval em dezembro. Mas nunca tinha visto a gente contratar um técnico.
Isso é um acontecimento e tanto, dado o afastamento que SAF e Arena promoveram entre o Galo e seu torcedor. A chegada de Sampaoli reestabelece os laços, e faz a gente olhar pra frente como se ainda fosse possível resgatar um pouco daquilo que ficou pra trás.
Não há qualquer garantia de que a empreitada dará certo. Por mais que se tente encontrar no futebol a racionalidade, há uma dose de aposta que faz parte da sua essência. Mas a predileção da Massa por Sampaoli tem algo de muito pragmático, apesar de também se fundamentar no exercício da mais pura fantasia: a gente quer ver um bom jogo. Não importa se seremos campeões, nunca foi sobre isso. O que ninguém aguenta mais é o arranca-toco.
Eu me lembro da final da Libertadores de 24, quando gritamos o Eu Acredito. Mas ninguém acreditava. Era apenas um simulacro. Porque o jogo tinha se tornado feio. De tal forma, que deixamos de merecer. Agora, tudo o que precisamos é de um jogo bem jogado, ousado, pra frente, em busca da vitória sempre.
Isso é essencial, porque vai nos devolver a capacidade ímpar de torcer. O que a gente anda precisando é de lavar a alma – olha ela aí, a alma. De acreditar de verdade. Veja você: a essa altura, só por causa do Sampaoli, não há um único atleticano que não acredite na virada contra o arquifreguês. Pessoas agora recorrem a mim como numa marcha de crentes: “2 a 0, Fred, a senha pra falar com Deus!”. Devo dizer que Eu Acredito. Piamente.
Ontem, enquanto batucava essas linhas, me invadiam muitas memórias do velho Mineirão, esse jovem senhor que acaba de completar 60 anos. Eu me vi, aos 6, subindo pela primeira vez os degraus que levavam à arquibancada. Fiquei paralisado ao perceber sua grandeza: do concreto armado, do tamanho da Massa, do extenso tapete verde onde, poucos minutos, ia desfilar Reinaldo.
Eu me vi menino sentado atrás do gol, naquele pedaço que chamávamos “torcida do América”. Olhava para a Super Força Viva, a Galoucura daqueles tempos, e tudo que eu desejava era livrar-me dos meus tios e migrar para o meio do campo, próximo à Charanga, onde os Galos eram mais doidos. Depois me vi adolescente, olhando a partir do meio da arquibancada, e invejando quem estava atrás daquele mesmo gol – a famosa Galoucura, surgida em 1984.
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O Mineirão me ensinou de tudo: a democracia, a fé, a injustiça dos homens, a inexistência de Deus, o amor, a felicidade, a desilusão, a tristeza profunda, a redenção, o merecimento.
Ali, aos 15 anos, me sentei na divisa entre a torcida do Atlético e a do Flamengo, disposto realmente a arrumar uma confusão. Tinha ido ao Maracanã, escondido dos meus pais, para ver o primeiro jogo da semifinal da Copa União. Quando voltamos, havia um clima, digamos, beliscoso.
Um ódio mortal, expresso no grito que nunca mais voltei a escutar: “Vingança, vingança”. Perdemos de novo, as únicas derrotas de todo o campeonato. Naquele dia compreendi a tristeza que foi a finalíssima de 1977, da qual não tenho memória. Mas a foto de uma faixa que desceu da arquibancada ficou impressa na minha cabeça como se realmente me lembrasse dela: “Galo, você é a minha mãe”. Em 87, minha mãe morreu no Mineirão.
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No entanto, todos os mortos renasceram na madrugada de 25 de julho de 2013. E naquele 4 a 1 contra o Flamengaço Classificadaço. E no jogo da taça, em 21. O Mineirão é casa do meu ideal de felicidade – o intervalo da final do Brasileirão de 1999, quando ganhávamos de 3 a 0 do Corinthians e saí para buscar todas as cervejas que coubessem nas minhas duas mãos – oito. Nunca fui tão feliz.
Bem, e o que isso tem a ver com esse Sampaoli contratado pela torcida? Tudo. Não importa se vamos ser campeões. Importa que esse novo Terreirão do Galo, ou Arena MRV, possa ser, de uma vez por todas, o velho Mineirão. E ninguém melhor para essa missão do que um argentino louco, amante do futebol de ataque e inimigo do Bom Dia. No fundo, a gente só quer ser feliz. Bem-vindo de volta, Sampaoli! Parabéns e muito obrigado, meu velho Mineirão!
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.