
O Fluminense está a inaugurar uma nova era
Até as mãos de alface de Fábio de Costas me pareceram mais rijas, e, confesso, cheguei a torcer para que enfim tivessem superadas sua condição de hortaliça
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO

O futebol é uma caixinha de cerveja, e fosse o Galo no lugar deste inacreditável Fluminense estaríamos agora mergulhados em tonéis do suco de cevada, o emprego sob risco, o casamento em suspenso. Os 10% da nossa cabeça animal, que segundo o Raul Seixas é a parte que se utiliza do todo, estariam completamente preenchidos de Atlético. A Terra é plana – “eu acredito”. Extraterrestres construíram as pirâmides do Egito – “eu acredito”. Almoçaríamos Atlético, jantaríamos Atlético. Faríamos amor pensando em Atlético.
A inveja é uma merda, mas vamos deixar isso de lado. O negócio é reconhecer a função social do Fluminense: de agora em diante, qualquer um deve acreditar em seu próprio taco, ainda que um taco torto, carunchado e alquebrado. O homem sem olhos pode ser um excelente fotógrafo. O sujeito nascido com mãos de alface pode ser um grande goleiro. Renato Gaúcho, olha quem, nos obriga a enxergar a metade cheia do copo, ainda que não seja do suco de cevada: se ele é melhor que o Guardiola, eu sou melhor que o Rubem Braga. Se o Fluminense chegou, em quatro anos chegaremos também.
Porque, vamos convir, o projeto desse Fluminense é um tanto equivocado, embora não restasse alternativa para muito mais. Sem dinheiro, sem SAF, sem grande patrocínio, sem estádio próprio, sem elenco, sem torcida – por décadas, cada vez menor. Fábio de Costas, além das mãos de alface, tem 44 anos e só a aposentadoria compulsória para tirá-lo de combate. Cano é um centroavante mediano. Thiago Silva está em fim de carreira. À exceção de Jhon Arias, ninguém mais tem sequer o lampejo de um fora de série.
Renato Gaúcho, então, nem se fala. Bem-sucedido como técnico exclusivamente em passagens pelo Grêmio (no longínquo 2007 também ganhou com o Fluminense), nenhuma outra torcida desejava seus préstimos de aparente distribuidor de camisas. É preciso saco para a sua marra e estômago para o seu bolsonarismo burro. Deve ser bom de vestiário. Mas enquanto julgávamos essa uma qualidade superada, Renato superou o Guardiola.
Na verdade, o Fluminense de Renato Gaúcho faz mais do que operar milagres. Milagre é a vitória improvável, o gol achado e as dezenas de outros, perdidos, pelo adversário. Não, o Fluminense do Renato joga com autoridade, inteligência, intensidade. Defende-se muito bem, ataca com qualidade. Arias pode jogar no meio ou na frente, joga muito em ambos. Renato não apenas distribui camisa. O Fluminense não ganha na sorte, ganha na bola.
Entre os brasileiros que disputaram o Mundial, era o inequívoco azarão, a chance diminuta de vingar as bets que tomam o leite das crianças. Como o corvo secador, parei para vê-lo à espera da goleada vexatória. Terminei como o Pachecão que torce para o Brasil, entusiasmado com o homem sem olhos a fazer fotos como um Sebastião Salgado.
Até as mãos de alface de Fábio de Costas me pareceram mais rijas, e, confesso, cheguei a torcer para que enfim tivessem superadas sua condição de hortaliça. Dois retrovisores e teríamos a versão do Dasayev na melhor idade. Coitado do cruzeirense vendo esse Neuer curtido em barril de carvalho.
A propósito, fico a pensar se não temos um gato ao contrário: Fábio teria forjado documentos para parecer mais velho, eu mesmo fiz isso quando estreou Sid & Nancy e eu, um aficionado pelo punk, não podia entrar no cinema. Agora, tendo de sustentar a mentira, só deve se aposentar junto com os ministros do STF, aos 75 anos.
O Fluminense está a inaugurar uma nova era: faça errado e dará certo. “Deus escreve certo por linhas tortas”, está nas escrituras. O Galo é a vanguarda desse novo e alvissareiro pensamento. Mais quatro anos e chegará a nossa vez. Eu acredito!
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.