Fred Melo Paiva
Fred Melo Paiva
DA ARQUIBANCADA

Ela, a Inveja, minha companheira de viagem

Precisava me atualizar sobre o Mundial. E a cada parada do meu périplo interestadual, nutria a expectativa de melhores notícias. Mas não

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Houve um tempo em que, além do frete, caminhoneiros levavam em suas caçambas as famosas “frases de para-choque de caminhão”. Pesavam a mão tanto ou mais que a mercadoria. Valia todo tipo de pilhéria, variadas obscenidades, sortidos palavrões. Os sete pecados capitais transitavam livre e abundantemente em Mercedes e Scanias, mas havia uma clara preferência pela inveja. E um clássico que a definia muito bem, além de agir contra o olho gordo de qualquer eventual motorista que estivesse a desejar uma carreta: “A inveja é uma merda”.

Não sei bem quando isso começou a mudar, mas fato é que desembarcaram as frases de para-choque de caminhão, as religiões tomaram corações, mentes e boleias, e Deus veio a reboque. “Nunca foi sorte, sempre foi Deus”, apostam. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”, esquecem dos buracos, dos bêbados e dos fiscais da balança. “Dirigido por mim, guiado por Deus”, alertam sobre os riscos do rebite. Como um bom texto é a arte de cortar, abundam DEUS e JESUS, sem mais. E assim a inveja acabou eliminada, como a merda que tivesse sido engolida por uma grande fossa.

Durante esses dias de Mundial, viajei de carro por cerca de 1500 quilômetros entre São Paulo e a Bahia. Devagar como um cágado, em razão da carretinha que levei literalmente a reboque, fui atropelado por Deus. Era Deus que não acabava mais. Em minha boleia, no entanto, viajava eu, meus dois cachorros, e Ela – a Inveja. A mais sórdida Inveja.

Olhava para o lado e podia vê-la presa ao cinto do passageiro, como aquele cocô que se esculpia em gesso para efeito de pregar peças. A base maior, rechonchuda, a porção superior como se saída de uma daquelas embalagens de chantilly que se aperta tipo um dentifrício. Não exatamente um glacé mas com certeza marrom. Ela, a Inveja. Minha copilota. Minha fellow traveller.

Por motivos desta coluna, precisava me atualizar sobre o Mundial. E a cada parada do meu périplo interestadual, nutria a expectativa de melhores notícias. Mas não. O Fluminense amassara o Borussia, o Galo da Alemanha. O Botafogo ganhara do PSG, um espanto, ainda que não tenha sido os 3 a 0 do Rei em 1982. O Flamengo goleara o Chelsea. Então, ali mesmo no Graal, eu me abraçava à minha companheira de viagem, mergulhava em seus coliformes fecais, e me lambuzava nessa cópula até nos tornarmos uma pessoa só.

Logo adiante era assaltado pelos Melhores Momentos. Melhores pra quem? Um profundo desgosto pela felicidade alheia tomava conta do meu ser atleticano, de novo chafurdado naquele marrom glacé. Torcia secretamente por alguma contusão capaz de recolocar as coisas em seu devido lugar, um Arrascaeta distendido, um Igor Jesus crucificado por alguma moléstia.

Mas o diabo surgia logo a sussurrar em meus ouvidos coisas sobre o colonialismo europeu, as veias abertas da América Latina, Simón Bolívar, Tiradentes, Zumbi, Che Guevara, Pelé, Maradona, Reinaldo. Né possível, não bastasse a Merda eu seria agora acometido pelo rapaz latino-americano sem dinheiro no banco que habita a minha pessoa? Ah, para com isso, Fred comunista, Fred apagado, que se lasquem todos os brasileiros!

Primeiramente o Flamengo, por razões óbvias. Depois o Fluminense, até que pague a série B e nos reembolse a Unimed e a CBFlu. Depois o Palmeiras, que de União Sinistra não tem nada, tanto que levou Paulinho e nos deixou o Caio Paulista. Por último o Botafogo, apenas em respeito aos meus parentes, além do Pará, do Boteco do Pará, em Caraíva, onde mantenho uma caderneta e assim desejo permanecer. No cômputo final, porém, que todos igualmente se lasquem de verde e amarelo.

Agora dá licença que eu vou ali tratar do que importa, o Galinho na vice-lanterna do Brasileiro Sub-20. Com sorte, ainda escapamos do rebaixamento. Claro que nunca terá sido sorte, sempre terá sido Deus.

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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