Patrimônio ameaçado

Maltrataram tanto o "Buraco do Neymar" que agora ninguém pode entrar

Uma foto transformou uma piscina natural intocada em ponto turístico superlotado; interditada pelo ICMBio, polêmica reacende o debate sobre turismo predatório

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No coração de Fernando de Noronha, onde o Atlântico esculpe piscinas naturais como joias azuis cravadas em rochas vulcânicas, um buraco simples ganhou nome de celebridade e, com ele, o peso de uma nação inteira de olhares vorazes. O "Buraco do Galego" – ou "Buraco do Neymar", como o apelido viralizou – era, até pouco tempo, um recanto escondido na Praia dos Cachorros, acessível por uma trilha íngreme e um mergulho arriscado.

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Mas uma foto postada pelo craque em 2018, com a então namorada Bruna Marquezine posando nas águas cristalinas, mudou tudo. O que era segredo dos mergulhadores virou meta de milhares de turistas, e na segunda-feira (17/11) o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) baixou o martelo: interdição por tempo indeterminado, junto com a vizinha Lasca da Velha. Motivo? Degradação ambiental irreversível, ameaça à fauna marinha e um colapso ecológico acelerado pelo turismo descontrolado.

A história começa inocente, como tantas polêmicas modernas: uma imagem no Instagram. Neymar, então no auge da glória pelo PSG, compartilhou o clique romântico, e pronto – o algoritmo do mundo cuidou do resto. De um paraíso preservado, o local se transformou em um point obrigatório para selfies. Filas de até uma hora sob o sol escaldante, drones zumbindo sobre tartarugas marinhas, mergulhadores amadores chutando corais frágeis.

"Era um lugar mágico, agora é um caos de pegadas e lixo fotogênico", desabafa um guia local à reportagem do UOL, que acompanhou a superlotação nos últimos anos. O arquipélago, tombado pela Unesco como Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade desde 2001, recebe anualmente cerca de 100 mil visitantes – limite imposto para proteger sua biodiversidade única, lar de mais de 20 mil focas e aves endêmicas. Mas o 'Buraco do Neymar' quebrou as regras: o acesso desordenado erodiu trilhas, poluiu recifes com protetores solares químicos e estressou a vida subaquática, com relatos de golfinhos fugindo de multidões barulhentas.

Grito de alerta

A interdição, anunciada em nota oficial pelo ICMBio, não é punição isolada, mas um grito de alerta em uma ilha que já sangra sob o peso do turismo. "A pressão antrópica comprometeu a integridade ecológica das piscinas naturais, essenciais para a reprodução de espécies marinhas", explica o comunicado, citando estudos que apontam para a morte de corais em 30% da área afetada. Especialistas como o oceanógrafo Fábio Homs, da Universidade Federal de Pernambuco, vão além: "É o clássico dilema do overturismo.

Noronha vive de visitantes, mas sem regulação, vira vítima do próprio sucesso. O 'efeito Neymar' acelera o que o aquecimento global já ameaça". Críticos, porém, miram no craque: posts nas redes sociais acusam o jogador de "invadir e descartar", comparando-o a outros influenciadores que renomeiam paraísos para lucrar likes. Neymar, que não se pronunciou até o momento, já foi alvo de debates semelhantes – de festas em cruzeiros a projetos de luxo no Nordeste que flertam com a privatização de praias.

Mas o 'Buraco do Neymar' não é só sobre um atleta; é um espelho da contradição brasileira. Fernando de Noronha, com suas 21 ilhas intocadas, gera R$ 100 milhões anuais em ecoturismo, mas cobra o preço em multas ambientais e comunidades locais espremidas. A taxa de preservação, de R$ 97 por turista (brasileiro), mal cobre os danos. Ativistas como o coletivo Noronha Viva pedem mais: "Queremos visitantes, não invasores. Hora de multar quem transforma patrimônio em playground particular". Enquanto isso, a Praia do Sueste, vizinha e já interditada para banhos por tubarões – ironia da natureza reafirmando seu território –, serve de lembrete. O arquipélago resiste, mas por quanto tempo?

A interdição pode durar meses, ou anos, dependendo de relatórios de recuperação. Para os fãs de Neymar, é uma ferida aberta; para o meio ambiente, uma trégua necessária. Em Noronha, o mar sussurra lições antigas: o que se quebra com um clique, leva gerações para curar. E enquanto o sol se põe sobre águas agora vazias, o buraco – de pedra e de memória – permanece, esperando quem o respeite de verdade.

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