Festival de Parintins não é carnaval, é algo surreal
Na Ilha da Magia, onde o vermelho do boi Garantido e o azul do Caprichoso se entrelaçam, a selva te espera para o encontro com as lendas e mistérios
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Siga noNo coração da Floresta Amazônica, onde o Rio Amazonas serpenteia como um guardião ancestral, a Ilha Tupinambarana ergue-se como um altar vivo, pulsando com o eco dos povos originários. É em Parintins, nos dias 27, 28 e 29 de junho deste ano, que a 58ª edição do Festival Folclórico se desdobrará como uma grande ópera, um espetáculo sagrado no meio da selva.
No Bumbódromo, o Garantido, vermelho como o sangue da terra, e o Caprichoso, azul como o véu do céu, dançam uma sinfonia de lendas, enquanto a floresta murmura suas histórias. Aqui, as tradições indígenas, as vozes dos pajés e os mitos amazônicos não são apenas memória – são a alma da festa, costurada em cada tambor, pena e canto.
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O Festival de Parintins é mais que um evento; é um ritual onde a Amazônia se revela. O Bumbódromo, cravado na ilha como um templo, transforma-se num portal para o tempo dos avós. As apresentações dos bois-bumbás são óperas vivas, com alegorias monumentais que evocam os espíritos da floresta: o boto que seduz sob a lua, a cobra-grande que rasteja nas profundezas, a iara que canta nas águas. Cada toada, entoada com fervor, carrega os ensinamentos dos povos Sateré-Mawé, Munduruku e outros guardiões da região, cujas vozes ecoam nos versos que celebram a terra, o rio e o sagrado.
Os bois, Garantido e Caprichoso, são mais que símbolos de rivalidade. Representam a dualidade da vida amazônica – o fogo e a água, a luta e a harmonia – enraizada nas cosmovisões indígenas que veem o mundo como um equilíbrio de forças. As danças, coreografadas com precisão, remetem aos rituais dos pajés, que invocam os encantados para proteger a comunidade. As indumentárias, adornadas com penas de arara e guaraná, são oferendas à natureza, costuradas com o respeito de quem sabe que a floresta é mãe.
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A voz dos Pajés
As raízes do festival mergulham nas tradições dos povos indígenas do Amazonas, que por séculos celebraram a vida em rituais de canto, dança e comunhão com a floresta. Os pajés, guias espirituais dessas comunidades, são figuras centrais nas narrativas do festival. Suas presenças, representadas nas encenações, trazem o peso da sabedoria ancestral, evocando cerimônias onde o fumo da palha e o som do maracá conectam o humano ao divino. No Bumbódromo, o “Ritual Indígena”, um dos momentos mais reverenciados, recria essas práticas, com dançarinos que personificam espíritos da mata e cânticos que ressoam como preces.
As lendas indígenas também ganham vida. A figura da cunhã-poranga, a guardiã da beleza e da força feminina, é inspirada nas mulheres indígenas que, nas aldeias, são pilares de resistência. O tuxaua, líder tribal, simboliza a autoridade e a proteção, enquanto personagens como a ama do Boi carregam ecos dos contadores de histórias que, ao redor das fogueiras, mantinham vivas as narrativas dos antepassados. Essas figuras, centrais na ópera de Parintins, são pontes entre o presente e o tempo em que a floresta era o único palco.
Lendas Amazônicas
As histórias da Amazônia, transmitidas por gerações, são o libreto dessa ópera. Cada alegoria no Bumbódromo é um capítulo de mitos que habitam o imaginário ribeirinho. O boto-cor-de-rosa, que se transforma em homem para encantar as moças nas noites de lua cheia, dança entre as águas do palco, sua lenda viva nos movimentos dos artistas. A cobra-grande, senhora dos rios, surge em esculturas colossais, lembrando que a natureza é soberana. A matinta-pereira, pássaro de assobio agourento, e o curupira, protetor da mata com pés invertidos, aparecem como guardiões, alertando para o respeito à floresta.
Essas lendas, contadas pelos pajés e ribeirinhos, não são apenas folclore; são lições de convivência com a natureza. No festival, elas ganham forma em alegorias que chegam a 20 metros de altura, movidas pela engenhosidade de artesãos que, como os antigos canoeiros, trabalham em harmonia com o ritmo da selva. As toadas, hinos que narram essas histórias, são cantadas por multidões, como se cada verso fosse uma oração para manter os encantados vivos.
Chamado sagrado
Visitar Parintins é render-se à selva. Planeje sua ida com antecedência, pois a ilha é um relicário disputado. Vista-se de leveza, proteja-se do sol e da chuva, e leve respeito aos povos que tornam essa ópera possível. Escolha sua cor – vermelho ou azul – e deixe a paixão dos bois te envolver, sabendo que, lá, a rivalidade é um laço de amor.
Em 2024, 120 mil turistas cruzaram o rio para se curvar à magia de Parintins, e em 2025, a ilha espera mais corações. Como Patrimônio Cultural do Brasil, o festival é um hino à Amazônia, onde as vozes dos pajés, as lendas dos encantados e as tradições dos povos originários se encontram para cantar. Venha, viajante, e junte-se à grande ópera da selva, onde a floresta é maestra, e cada instante é um verso eterno.
Caprichoso X Garantido
O boi-bumbá é paixão, mas também é história e identidade cultural. E os presidentes das associações folclóricas reforçam a importância do Festival para a Amazônia:
Para Rossy Amoedo, presidente do Boi Caprichoso, atual tricampeão – que em 2025 traz o tema "É Tempo de Retomada", inspirado no livro homônimo da escritora indígena Trudruá Dorrico –, "O Festival de Parintins é a expressão máxima da arte amazônica. Cada detalhe das nossas apresentações traz a essência do nosso povo, da nossa história e do compromisso com a floresta. Essa temporada já começou, e o Caprichoso está pronto para emocionar o Brasil e o mundo."
O Garantido chega com o tema "Boi do Povo, Boi do Povão", uma exaltação à cultura popular e à luta por justiça social. Fred Góes, presidente do Boi, traduz o sentimento: “O Garantido carrega no coração a alma da cultura popular da Amazônia. Parintins não é só uma festa, é resistência, é tradição, é um espetáculo que emociona e impacta economicamente milhares de famílias. Estamos prontos para mais um ano histórico!"
O festival também ganhou mais visibilidade nacional recentemente, com a participação de Isabelle Nogueira, a cunhã-poranga do Garantido, no BBB24. A apresentação dos bois no programa levou a cultura amazonense para milhões de brasileiros, despertando um interesse ainda maior pelo evento. Sua “rival”, a indígena do povo Munduruku Marciele Albuquerque, além de representar o Caprichoso, tem grande representatividade dentro e fora da arena como ativista.
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