Pra viver a semana santa em Minas é preciso conectar-se com o divino
Rumo ao interior, mais especificamente às cidades tricentenárias, é que se vê a força das tradições católicas - costumes preservados desde o período colonial
Em Sabará, a abertura do Santo Sepulcro ocorre na Quinta-feira Santa, se diferenciando das demais igrejas de Minas crédito: Leandro Couri/EM
Vestidos de anjos, jovens e crianças fazem uma revoada sobre tapetes de serragens no Domingo de Páscoa. Lentamente, eles caminham por ruas estreitas sendo observados por centenas de fiéis, ornados de véus, túnicas e, nas mãos, terços diversos. No rosto, lágrimas escorrem diante do belo, do sagrado, em profundo desejo: Jesus vive! Esse ritual sagrado fecha a programação que começou na quaresma e que atraiu turistas do Brasil e do mundo para reviver a Paixão, a dor e a glória de Cristo em ladeiras históricas de Minas.
De 13 a 20 de abril, igrejas barrocas e ladeiras de pedras são palco, na semana santa, de missas, procissões luminosas, encenações da Paixão de Cristo na via-sacra, tapetes devocionais, anjos e cantos em latim, que dão um ar ainda mais solene e atraem milhares de turistas às cidades históricas mineiras.
Milhares de fiéis visitam Minas no feriado religioso. Eles buscam nesta data o contato direto com o divino e, não se cansam em acompanhar o ritual religioso, em procissões luminosas por ruas e vielas estreitas das cidades históricas ao som de cânticos melancólicos intercalados pelas badaladas dos sinos das igrejas barrocas.
Devoto se curva diante da imagem de Jesus, na abertura do Santo Sepulcro, na Igreja São Francisco, em Sabará Marcos Vieira /EM
Em Diamantina, 50 guardas romanos acompanham a saga de sofrimento de Cristo na encenação realizada na Sexta-feira Santa José Leônidas/Divulgação
Patrimônio Cultural Imaterial Municipal de Santa Bárbara, Âncora Cia de Teatro encena o espetáculo "Os Passos da Agonia ", na Sexta-feira Santa
Âncora Cia de Teatro/ Divulgação
Pela Rua Direita, fiéis caminham sobre tapetes devocionais na procissão que encerra as celebrações da semana santa em Tiradentes
Thaís Andressa/Stage Comunicação
Ponto alto da fé católica é a cerimônia de Descendimento da Cruz, na escadaria da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em São João del-Rei
Emmanuel Pinheiro/EM
Diante do Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, representação da Paixão de Cristo é encenada sobre os olhares dos Profetas de Aleijadinho
Beto Novaes/EM
Em Sabará, a abertura do Santo Sepulcro ocorre na Quinta-feira Santa, se diferenciando das demais igrejas de Minas
Leandro Couri/EM
O turismo religioso ganhou destaque nos últimos anos. O governo estadual quer aumentar a visitação nas históricas cidades de Minas Gerais e, com isso, gerar mais emprego e renda para os mineiros – um dos propósitos centrais do projeto Minas Santa. “Cerca de 36% do turismo que se faz em Minas é turismo cultural - e a fé também é cultura – gerando uma movimentação econômica de cerca de R$ 5 bilhões por ano”, pontuou o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira.
Na 3ª edição, o programa deste ano conta com a adesão de todos os 853 municípios e continua tendo como meta principal posicionar Minas Gerais como o principal destino turístico no país durante a semana santa, dando protagonismo às diversas expressões culturais e religiosas (católicas, evangélicas e das afromineiridades) relacionadas à fé, e valorizar o patrimônio cultural material e imaterial.
Diante do Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, representação da Paixão de Cristo é encenada sobre os olhares dos Profetas de Aleijadinho Beto Novaes/EM
Procissões, celebrações e encenações tomam as ruas de Congonhas durante a semana santa. A encenação da Paixão de Cristo é um dos pontos altos da programação, contando com a participação de mais de 200 atores e figurantes. Na quinta-feira, na Praça da Igreja Matriz, há encenação da santa ceia. Na sexta-feira à noite, é a vez da representação da crucificação de Cristo, no Adro dos Profetas. Casa do patrimônio mundial Santuário Bom Jesus de Matosinhos – título concedido pela Unesco –, a fé e a religiosidade da população local aflora nesse período e pode ser notada no cuidado dos moradores e fiéis com a organização dos festejos e confecção do tradicional tapete de serragem e flores.
Nesta época do ano, centenas de turistas visitam a histórica cidade de Congonhas, que integra o Circuito do Ouro, para ver de perto as obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814), maior artista brasileiro de todos os tempos. Ele deixou, no alto de um dos morros de Congonhas, a 89 quilômetros de Belo Horizonte, sua obra-prima: os passos da paixão de Cristo. Por três anos, entre 1º de agosto de 1796 e 31 de dezembro de 1799, ele executou, ao lado de ajudantes de seu ateliê, as 66 figuras em cedro instaladas em grupos: ceia, horto, prisão, flagelação, coroação de espinhos, cruz às costas e crucificação. Bem ao lado se encontra o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, que, mesmo em reformas, é cenário único com os profetas esculpidos em pedra-sabão.
Diamantina
Em Diamantina, 50 guardas romanos acompanham a saga de sofrimento de Cristo na encenação realizada na Sexta-feira Santa José Leônidas/Divulgação
A charmosa localidade mineira ostenta uma semana santa com tradições de três séculos. As celebrações duram 19 dias. Tudo começa com a via-sacra (11/4) e termina no Domingo de Páscoa (20/4), com a procissão do Santíssimo Sacramento pelas ruas do Centro Histórico. Os passos, pequenos altares construídos no século 18, ficam fechados durante a maior parte do ano, mas abrem suas portas durante as procissões de Ramos e das Dores. Um dos eventos mais movimentados é a missa solene na igreja matriz, na quinta-feira, quando ocorre a cerimônia do lava-pés. No Domingo de Páscoa, os moradores decoram suas janelas com toalhas bordadas e mudam a paisagem da cidade.
O município patrimônio cultural da humanidade segue sua tradição nas celebrações da semana santa, que se inicia no Domingo de Ramos, com programação todos os dias até o Domingo de Páscoa. Entre os eventos estão a procissão do encontro, a cerimônia do lava-pés, a encenação da crucificação e morte de Jesus, o descendimento da cruz e a ressurreição. Uma atração à parte é a guarda romana, quando mais de 50 homens se caracterizam como soldados romanos da época e participam da via-sacra. Além das missas e encenações, as ruas do Centro Histórico são enfeitadas com detalhado tapete de serragem, que é confeccionado pelos moradores e visitantes. Próximo a Diamantina, o município do Serro também tem tradicional celebração.
São João del-Rei
Ponto alto da fé católica é a cerimônia de Descendimento da Cruz, na escadaria da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em São João del-Rei Emmanuel Pinheiro/EM
Fé, cânticos em latim e ritos que atravessam os séculos, sem perder as tradições e a devoção popular. Em São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, a semana santa é um período de reflexão e também de muita beleza, com missas solenes acompanhadas por corais, orquestras e integrantes das irmandades religiosas nascidas no século 18. Entre os eventos estão a procissão do encontro, a cerimônia do lava-pés, a encenação da crucificação e morte de Jesus, o descendimento da cruz e a ressurreição. Além das missas e encenações, as ruas do Centro Histórico são enfeitadas com detalhado tapete de serragem, que é confeccionado pelos moradores e visitantes. Para quem nunca esteve na cidade, vale a pena participar do ofício das trevas com a presença da Orquestra Ribeiro Bastos e do Coral Gregoriano da Associação dos Coroinhas de Dom Bosco da Catedral.
Tiradentes
Pela Rua Direita, fiéis caminham sobre tapetes devocionais na procissão que encerra as celebrações da semana santa em Tiradentes Thaís Andressa/Stage Comunicação
Na vizinha Tiradentes, distante 15 quilômetros de São João del-Rei, os visitantes vão encontrar muitas cerimônias que remontam igualmente aos tempos coloniais e têm como ponto de partida ou chegada a Matriz de Santo Antônio, no Centro Histórico. A charmosa localidade mineira ostenta uma semana santa com tradições de três séculos. Os passos, pequenos altares construídos no século 18, ficam fechados durante a maior parte do ano, mas abrem suas portas durante as procissões de Ramos e das Dores. Um dos eventos mais movimentados é a missa solene na igreja matriz, na quinta-feira santa, quando ocorre a cerimônia do lava-pés. No domingo de Páscoa, os moradores decoram suas janelas com toalhas bordadas, que mudam a paisagem da cidade.
Sabará
Devoto se curva diante da imagem de Jesus, na abertura do Santo Sepulcro, na Igreja São Francisco, em Sabará Marcos Vieira /EM
Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, guarda um momento muito especial para a tarde da quinta-feira santa (17/4). Às 15h, na Igreja de São Francisco, começa a cerimônia de abertura do santo sepulcro do Senhor morto. O ritual remonta ao século 18 e é considerado único no país, pois retrata a morte de Jesus na quinta-feira – na véspera, portanto, da sexta-feira da Paixão, quando os católicos relembram a crucificação e acompanham a procissão do enterro. Outro momento especial em Sabará ocorrerá na sexta-feira da Paixão, às 4h. Trata-se da via-sacra da penitência, que sai da Igreja de São Francisco, chega ao Morro da Cruz e, depois, retorna ao ponto de origem, numa duração de cerca de três horas.
Patrimônio Cultural Imaterial Municipal de Santa Bárbara, Âncora Cia de Teatro encena o espetáculo "Os Passos da Agonia ", na Sexta-feira Santa Âncora Cia de Teatro/ Divulgação
Entre Serras
No município de Caeté encontra-se a menor basílica do mundo, a igreja da padroeira de Minas Gerais, que integra o complexo arquitetônico do Santuário Nossa Senhora da Piedade. As missas e a via-sacra no Santuário do Caraça também merecem ser acompanhadas pelos visitantes. Durante toda a semana santa está programada uma série de missas e vigílias e vale também destacar a “encomendação das almas”, quando os moradores, em procissão, rezam pelas almas que se encontram no purgatório, com diversas missas, celebrações e vigílias.
Já em Barão de Cocais, um dos momentos mais aguardados nas comemorações é a bênção dos fogos, no sábado de Aleluia, realizada no Santuário de São João Batista. Também conhecida como “cerimônia da luz”, os fiéis renovam seus votos e promessas do batismo.
Para finalizar, Santa Bárbara recebe uma programação especial na Sexta-Feira da Paixão. A cidade histórica promove a encenação “Os Passos da Agonia”,onde registra a dor e o sofrimento de Cristo na via-crúcis até o calvário. O espetáculo faz parte da Âncora Cia de Teatro, que em 2025 celebra 50 anos de arte. O tradicional teatro religioso é considerado um dos mais importantes de Minas Gerais e tem reconhecimento de Patrimônio Cultural Imaterial Municipal de Santa Bárbara. O espetáculo terá início às 19h, no ginásio do Centro de Santa Bárbara.