Nova diretriz muda tratamento da obesidade com foco no risco cardíaco
Documento orienta decisões médicas com base no escore PREVENT e amplia uso de medicamentos como GLP-1 e tirzepatida
compartilhe
Siga noA nova Diretriz sobre Obesidade e Doença Cardiovascular, apresentada nesta sexta-feira (30/5) no XXI Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, em Belo Horizonte, reúne 34 recomendações práticas para médicos e profissionais de saúde no manejo clínico da obesidade. O documento foi elaborado em conjunto por cinco sociedades médicas brasileiras.
Em entrevista para o Estado de Minas, o endocrinologista Marcello Bertoluci, um dos coordenadores da diretriz, explica que ela representa um avanço importante por tratar a obesidade como uma doença crônica e multifatorial e não apenas como um fator de risco. “Hoje não basta apenas perder peso. É preciso reduzir fatores de risco, o risco cardiovascular e mortalidade”, afirma. Ele destaca que pacientes com obesidade apresentam perfis muito diferentes, exigindo tratamentos personalizados. “Nem todos precisam das mesmas intervenções. Alguns têm alto risco e precisam de estratégias mais complexas, enquanto outros podem ser tratados com abordagens menos intensas”, explica.
“Estamos diante de uma diretriz histórica. Pela primeira vez, temos um conjunto estruturado de recomendações que olham para a obesidade como eixo central de prevenção cardiovascular, com base nas melhores evidências científicas disponíveis”, destaca a endocrinologista Cynthia Valério, uma das autoras da Diretriz.
Leia Mais
Um ponto central do documento é a recomendação do uso do escore PREVENT (Predicting Risk of Cardiovascular Disease Events), desenvolvido pela American Heart Association. O PREVENT calcula o risco de desenvolver doenças cardiovasculares em 10 anos, considerando infarto, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca, fatores renais e metabólicos. Ele inclui variáveis como índice de massa corporal (IMC) e hemoglobina glicada, permitindo avaliar pacientes de forma mais ampla e personalizada. “O risco cardiovascular de 10 anos é o que mais se usa porque ele dá um norte claro: estamos falando de morte cardiovascular, infarto fatal e acidente vascular fatal”, explica.
Novos medicamentos
Entre as recomendações, estão os agonistas do receptor GLP-1, como liraglutida, dulaglutida e semaglutida, e os agonistas duais GLP-1/GIP, como a tirzepatida. Marcello explica que essas drogas foram desenvolvidas inicialmente para tratar diabetes, mas mostraram benefícios também para reduzir eventos cardiovasculares. “Os agonistas de GLP-1, além de reduzir peso, ajudam a reduzir infarto, AVC e morte cardiovascular. Isso foi visto primeiro em pacientes com diabetes, mas hoje sabemos que pacientes não diabéticos com obesidade também se beneficiam”, diz.
No entanto, ele aponta que o acesso a esses medicamentos ainda é limitado. “Na medicina privada, essas drogas já estão se difundindo rapidamente. No Sistema Único de Saúde (SUS), infelizmente, ainda não temos nenhum medicamento específico para obesidade”, observa. A tirzepatida, segundo ele, é um exemplo promissor, pois mostra potência ainda maior na redução de peso, mas seus efeitos cardiovasculares ainda aguardam resultados definitivos, previstos para serem divulgados nos próximos meses.
- A partir de qual idade devemos prestar atenção na saúde do coração?
- Obesidade no Brasil cresce e afeta 31% da população adulta
Combinações terapêuticas
A diretriz recomenda também a combinação de agonistas GLP-1 com inibidores do SGLT2 para pacientes com insuficiência cardíaca, com base em estudos que mostram melhora de sintomas e qualidade de vida. Para pacientes com menor risco cardiovascular, o objetivo permanece focado em reduzir peso e controlar fatores associados, como hipertensão e diabetes, para prevenir complicações a longo prazo.
Sobre a cirurgia bariátrica, Marcello reforça que ela continua indicada para pacientes com IMC acima de 35 e doenças associadas. “A redução de peso sozinha nem sempre explica os benefícios cardiovasculares. Muitas vezes, os efeitos das moléculas dos medicamentos têm papel específico e importante na redução de eventos graves”, esclarece.
Participaram 20 representantes das cinco sociedades médicas envolvidas. A previsão de publicação é para o segundo semestre de 2025.
O XXI Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica termina neste sábado (31/5). No primeiro dia de evento, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) apresentou a nova Diretriz Brasileira para o Tratamento Farmacológico da Obesidade. O documento reúne 35 recomendações que orientam médicos, gestores de saúde e profissionais de diversas áreas sobre o uso adequado de medicamentos - sempre destacando que nenhuma terapia substitui a mudança no estilo de vida.