Trump se diz impressionado com prisão de Lula e sinaliza 'empatia'
Presidente dos EUA ouviu relato do brasileiro sobre os 580 dias na prisão e afirmou que ambos 'deram a volta no sistema'
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O primeiro encontro oficial entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump desde o início da crise comercial entre Brasil e Estados Unidos, realizado neste domingo (26/10), teve um momento improvável de empatia. Durante os 45 minutos de conversa em Kuala Lumpur, na Malásia, o presidente americano demonstrou surpresa com o período em que Lula permaneceu preso e disse estar “impressionado” com a resistência do brasileiro.
Segundo assessores que acompanharam a reunião, Trump fez questão de comentar que, de certa forma, ambos “deram a volta no sistema”.
O comentário, relatado por pessoas próximas à delegação brasileira, ocorreu quando Lula mencionou os 580 dias em que passou em uma cela da Polícia Federal, entre abril de 2018 e novembro de 2019. Trump, que enfrentou quatro processos criminais e chegou a ser ameaçado de prisão nos Estados Unidos, fez uma analogia entre as trajetórias, sugerindo ter passado por situações semelhantes, ainda que em contextos diferentes.
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Segundo integrantes da delegação brasileira, o momento serviu para “humanizar” o diálogo. Trump, que se orgulha de desafiar o establishment político americano, teria dito compreender “a sensação de ser alvo do sistema”. Lula respondeu mencionando o papel das instituições e a importância de “seguir em frente sem ressentimento”.
Fontes ligadas ao encontro disseram que o tom foi amistoso e que o americano “veio desarmado”, interessado em ouvir e conversar. Lula, por sua vez, mostrou-se à vontade, aproveitando a ocasião para discutir o tema central da visita: o tarifaço de 50% aplicado por Washington sobre produtos brasileiros, uma medida que, desde julho, vinha provocando atritos na relação dos dirigentes.
Conversa de aproximação
A reunião ocorreu à margem da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean). Até poucas horas antes, nem o Palácio do Planalto nem a Casa Branca haviam confirmado oficialmente o encontro. As duas equipes tratavam o gesto com cautela, temendo que qualquer ruído diplomático reacendesse o clima de desconfiança dos últimos meses.
O encontro foi costurado por assessores de ambos os governos desde setembro, quando os dois líderes se cumprimentaram brevemente durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Naquele momento, Trump disse a repórteres ter sentido “uma química excelente” com o brasileiro e sinalizou disposição para uma reunião bilateral.
Em Jacarta, na Indonésia, antes de seguir para a Malásia, Lula havia dito que não haveria “assunto proibido” na conversa. “Quero mostrar que houve equívoco nas taxações, mostrar com números”, afirmou o presidente. “Se eu não acreditasse que é possível chegar a um acordo, eu não faria reunião.”
Trump também deu declarações conciliatórias ao ser questionado sobre as tarifas impostas ao Brasil. “Sim, diante das circunstâncias certas”, respondeu, ao ser perguntado se estaria aberto a rever as medidas.
Nova fase nas relações?
Ainda que a afinidade pessoal tenha sido destaque, o foco do encontro foi econômico. A principal pauta foi o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, imposto pelos Estados Unidos em julho e considerado por Brasília uma retaliação política. A medida atinge exportações agrícolas e de carne bovina e é vista como o ponto mais delicado na relação atual entre os países.
Fontes do governo brasileiro afirmam ter percebido uma disposição do lado americano em reconsiderar as sanções, inclusive as restrições de visto e financeiras impostas a autoridades brasileiras com base na Lei Magnitsky. Ainda assim, admitem que o processo será lento e dependerá do ritmo que a nova administração de Trump pretende imprimir às negociações comerciais.
Apesar de nenhuma decisão concreta ter sido anunciada, diplomatas brasileiros classificaram o encontro como “um passo firme rumo ao fim das tarifas”. A avaliação é de que Trump quis sinalizar abertura, mas prefere conduzir o tema com prudência, especialmente diante das resistências internas no Congresso americano e de pressões de setores industriais.
Também integraram a comitiva o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Ambos participaram de encontros paralelos com autoridades e executivos, na tentativa de estreitar laços comerciais e sinalizar estabilidade institucional.
O tema “Jair Bolsonaro” surgiu apenas de forma lateral, sem gerar atrito. Segundo os assessores, Trump limitou-se a dizer que “tem respeito pessoal” pelo ex-presidente brasileiro, enquanto Lula destacou a importância de virar a página e manter o diálogo institucional.
Tarifaço
O clima amistoso contrasta com o desajuste que se instalou entre os dois países desde o anúncio das tarifas. A decisão americana foi acompanhada de uma investigação contra o Brasil por “práticas comerciais desleais” e de punições a autoridades, incluindo o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e sua esposa.
As sanções foram vistas pelo governo brasileiro como uma tentativa de interferência na soberania nacional e de pressão política em meio à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por incitar ataques às instituições.
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Nos bastidores, diplomatas apontam que o lobby de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, nos Estados Unidos, teve papel na escalada das tensões. O deputado se mudou para o país no início do ano e manteve conversas com aliados de Trump para pressionar por medidas que beneficiassem o pai.
(Com informação de agências)