Entenda a estratégia da oposição para barrar a PEC da Copasa na Assembleia
Deputados contrários à proposta usam regimento interno e prometem "ir ao limite" para impedir a aprovação do texto que elimina o referendo popular
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A oposição na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entra em plenário nesta quinta-feira (23/10) decidida a travar a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, que retira da Constituição estadual a exigência de referendo popular para autorizar a privatização da Copasa e da Copanor. A apreciação do texto em primeiro turno está prevista para às 18h.
Desde o início da semana, o bloco de oposição tem lançado mão de uma combinação de táticas regimentais e políticas para tentar adiar ao máximo a votação e aumentar a pressão sobre parlamentares indecisos.
A PEC chega ao plenário após seis reuniões realizadas em menos de 72 horas, em ritmo ditado pela pressa da base do governo em garantir o quórum mínimo e destravar a votação. Cada uma dessas sessões, abertas e encerradas em poucos minutos, serviu apenas para cumprir o rito regimental que permite, na sétima reunião, deliberar sobre o texto mesmo diante de obstruções.
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A oposição, porém, vem explorando cada brecha possível nos últimos dias. Na terça-feira (21/10), a deputada Leninha (PT), vice-presidente da ALMG, frustrou os planos governistas ao cancelar uma das reuniões por falta de quórum. Apenas 21 deputados registraram presença, cinco a menos que o mínimo exigido para validar o encontro. “Pela manhã, a gente encerrou a reunião o mais rapidamente possível para ganhar tempo. Essa semana pode ser que não haja votação, mas tudo pode acontecer”, contou.
Segundo ela, a estratégia é “esticar a corda até o limite”. Isso inclui usar todos os instrumentos regimentais disponíveis para atrasar o processo e ganhar tempo. “Pela regra interna, podemos apresentar até seis emendas de discussão em plenário, e vamos usar cada uma delas. Vamos usar todo o tempo, todos os mecanismos internos para fazer obstrução, para tentar empurrar um pouco a votação”, explicou a parlamentar.
Na véspera da votação, prevista para esta quinta às 18h, uma questão de ordem apresentada pela oposição mudou o rumo do cronograma. O bloco contestou a sessão anterior, presidida pelo deputado Roberto Andrade (PRD), que, por ser líder da maioria, não poderia comandar a Mesa Diretora. O pedido foi aceito, forçando a convocação de nova sessão e adiando a votação das 14h para as 18h.
A previsão é de que a discussão avance até a madrugada. Em coletiva de imprensa na manhã desta quinta, o líder do Bloco Democracia e Luta, Ulysses Gomes (PT), reforçou que a estratégia da oposição será postergar ao máximo a definição sobre o texto. “Temos total disposição de passar a madrugada e a manhã discutindo dentro do tempo regimental. Isso nos dá condições de muitas horas de obstrução”, avisou Ulysses Gomes. “Se o governo ainda quiser continuar, ao final da manhã, a gente pode chegar na votação. Mas nós iremos ao limite”, declarou.
Outra tentativa do grupo é coletar assinaturas para apresentar uma emenda à PEC, o que obrigaria o retorno do texto à comissão especial e adiaria inevitavelmente a votação. O plano, porém, esbarra na necessidade de apoio suficiente fora do bloco de oposição, que conta com 20 parlamentares, mas necessita da assinatura de 26 para avançar.
Além da obstrução dentro da Casa, Leninha diz que o bloco oposicionista não descarta recorrer à Justiça caso o texto avance. “Há precedentes em outros estados onde tentativas de alterar a Constituição para permitir privatizações sem consulta popular foram barradas judicialmente. Vamos usar todos os mecanismos possíveis, inclusive o STF, se for necessário”, afirmou.
Corrida por votos
Para ser aprovada, a proposta precisa do apoio de 48 dos 77 parlamentares, uma maioria qualificada de três quintos. Irão votar a PEC do fim do referendo 75 dos 77 deputados, já que o presidente Tadeu Leite (MDB) não vota e o deputado João Vitor Xavier pegou licença de 120 dias para assumir a TV CNN em São Paulo.
Em conversa com o Estado de Minas, o deputado Cleiton Oliveira (PV) explicou que a estratégia da oposição é separar o debate sobre a venda da companhia da discussão sobre a consulta popular. “Uma coisa é discutir se a Copasa deve ou não ser privatizada. Outra, muito diferente, é tirar da população o direito de decidir sobre isso”, defendeu.
Além de centenas de trabalhadores da estatal em greve, o encontro reuniu vereadores de municípios da Grande BH e de outras regiões do estado, que viajaram por horas para expressar resistência à medida apresentada por Zema desde seu primeiro mandato e resgatada agora em meio às discussões do Propag. “A ideia é lembrar à base que cada deputado tem seus prefeitos e vereadores e que perder esse apoio em ano pré-eleitoral pode custar caro”, detalhou Cleiton.
Centenas de trabalhadores da Copasa em greve, servidores e representantes de movimentos sociais têm ocupado os corredores da Assembleia desde o início da semana. Também compareceram vereadores de várias regiões, inclusive da base governista.
Entre eles, o vereador Rodrigo Cadeirante (União Brasil), do Norte de Minas, que fez questão de se manifestar durante audiência pública na Comissão de Trabalho. “Essa pauta não é de partido. É do povo mineiro. Estamos tratando do patrimônio da população. Deputado que não quiser se posicionar contra, que se abstenha, mas que não vote a favor dessa PEC que tanto prejudica Minas”, disse ao Estado de Minas, antes de falar na audiência.
O que é a PEC 24/2023
A “PEC do Cala a Boca”, como batizaram os sindicatos, é peça-chave da estratégia do governo para aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), do governo federal. O plano permite alongar por até 30 anos o pagamento de débitos estaduais com a União, com juros reduzidos.
Minas deve cerca de R$ 172 bilhões à União, e a venda da Copasa é vista como um caminho para abater parte desse passivo. O Executivo sustenta que eliminar o referendo é fundamental para acelerar a privatização e usar parte dos recursos obtidos para amortizar 20% da dívida.
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A proposta enviada por Zema em 2023 é uma reedição de um texto anterior, de dois anos atrás, que também incluía a Cemig e a Gasmig. Após acordos na Comissão de Constituição e Justiça, a versão atual se restringiu às empresas de saneamento. Ainda assim, mantém a previsão de revogar um dispositivo incluído na Constituição mineira no governo Itamar Franco, em resposta às privatizações em série da década de 1990.