"A gente quer estar mais próximo da sociedade mineira"
Presidente do TCE-MG antecipa pontos do plano de ação e destaca o papel da mesa de conciliação, que pode ser caminho para negociar pedágios do Vetor Norte
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Siga noO Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) vai lançar em maio um plano de ação para tratar de tarefas consideradas prioritárias no estado. Em entrevista ao EM Minas de ontem, programa da TV Alterosa em parceria com o Portal UAI e Estado de Minas, o presidente Durval Ângelo adiantou que a corte vai fazer um levantamento de terras públicas que estão ocupadas de maneira irregular por empresas privadas, e preparar um novo destino para elas.
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“São terras para a reforma agrária, terras para assentar quilombolas. Terras que estão sendo ocupadas indevidamente sem gerar nenhum tipo de benefício ao estado, e que algumas empresas querem até devolver essas terras”, disse.
Durval Ângelo assumiu a gestão do TCE em fevereiro passado com o objetivo de aproximar a corte da sociedade mineira. “Milton Nascimento canta que todo artista tem que ir onde o povo está. Não adianta o tribunal ter um reconhecimento pela Constituição Federal, pelas leis. Tem que ter legitimidade”, afirma.
Dentre as inúmeras ações que o Tribunal trata, o conselheiro decidiu criar uma mesa de conciliação.
Segundo ele, a suspensão do edital de concessão que previa pedágios nas rodovias estaduais da Grande BH poderia ser alvo de uma negociação com o governo de Romeu Zema (Novo).
“A repercussão está sendo grande por envolver o tecido metropolitano e até pelas bases de cobrança de tributo serem em trechos próximos. Pode encarecer muito a vida do cidadão metropolitano”, disse Durval Ângelo. Confira na íntegra da entrevista com o presidente do TCE.
O que faz o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais? O trabalho vai muito além da análise de contas?
Em princípio, o TCE fiscaliza todas ações que envolvam recursos públicos, no nosso caso de municípios e do estado de Minas Gerais. Mas nós temos convênios com o Tribunal de Contas da União. Por exemplo, as emendas parlamentares, as famosas emendas PIX, hoje estão sendo fiscalizadas também pelo Tribunal de Minas Gerais.
Por trás dos números, dos impostos que cada cidadão e cidadã paga tem uma política pública. Então a gente tem uma preocupação grande para que o Tribunal de Contas seja indutor, fiscalizador e promotor de políticas públicas.
Não adianta a gente analisar a conta de um prefeito e ver se aplicou 25% na educação, que é o mínimo constitucional obrigatório. A gente tem que fazer uma pergunta: qual a qualidade desta educação? Ela ajuda no processo de desenvolvimento das nossas crianças e jovens? Na saúde aplica-se 15%, mas o que o município tem de resolutividade na questão da saúde? Ou aplica só para ter ambulâncias e levar pacientes para fora do município. Acho que a grande questão é que o Tribunal seja uma ferramenta em defesa da sociedade – e aí se entende democracia – para que as políticas públicas sejam aplicadas.
No seu discurso de posse, o senhor falou sobre o interesse do TCE de valorizar e trabalhar na primeira infância. O que seria essa preocupação?
É uma preocupação de todos os órgãos de controle externos do Brasil e das nossas entidades de classe, porque tudo começa na primeira infância. Tecnicamente a primeira infância vai de 0 até 6 anos incompletos. Eu acho que aí está todo o trabalho de formação e toda a parte preparatória (da criança). Não vou dizer que a criança é o "futuro", eu acho que é o presente.
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Nós temos normas legais. Por exemplo, todo prefeito já devia ter universalizado creche e educação infantil. Todos os municípios mineiros, por lei federal, já deviam ter um plano municipal da primeira infância. Só 70 municípios, nem 10% do estado, têm esse plano com ações de proteção. A partir deste mês a gente vai fazer uma grande auditoria nos 853 municípios. Também vamos realizar em agosto, em Belo Horizonte, o segundo encontro nacional da primeira infância.
“Acho que a grande questão é que o Tribunal seja uma ferramenta em defesa da sociedade – e aí se entende democracia – para que as políticas públicas sejam aplicadas”
Nesse encontro da primeira infância vai ser apresentado os números fiscalizados? O que de efetivo vai sair dele?
A auditoria é nacional, o TCU está promovendo. Ela vai levantar primeiro um dado nacional, porque nós teremos aqui representantes dos 26 estados e do Distrito Federal, e nós vamos ter também um recorte sobre algumas questões específicas de Minas Gerais. Vamos ter uma radiografia da primeira infância e vamos agir para que os municípios mineiros priorizem a primeira infância. A Constituição diz que a primeira infância é prioridade absoluta. Esse termo “absoluta” só é tratado na legislação federal quando falado sobre primeira infância.
Ouvi do senhor que o TCE quer chegar aos 853 municípios de Minas Gerais. O que isso significa?
Milton Nascimento canta que todo artista tem que ir onde o povo está. Não adianta o tribunal ter um reconhecimento pela Constituição Federal, pelas leis. Tem que ter legitimidade, porque existe o controle externo e o controle social que é feito pela população, pela sociedade. Na democracia é assim, o patrão é o povo. Estamos agora fazendo encontros técnicos, já fizemos em Varginha com uma participação expressiva de prefeitos, de Câmaras (Municipais) e da sociedade organizada da região.
Vamos estar em todas regiões de Minas conversando com o jurisdicionado e tentando envolver a sociedade naquelas exigências e prerrogativas que a Constituição nos estabelece. Não adianta a gente chegar e dizer: "o prefeito não aplicou em educação, nós vamos puni-lo com uma multa pessoal ou uma ação de ressarcimento". Para nós, o mais importante é chamar esse prefeito e dizer: “você vai repor aquilo que não aplicou e, daqui para frente, vai continuar aplicando”. A gente tem que saber disso não só pelos números frios em uma análise de conta, mas indo até a região. Não só o presidente, mas também vários técnicos do Tribunal estão fazendo esse trabalho. A gente quer estar mais próximo da sociedade mineira, em diálogo permanente e com parcerias com o Tribunal de Justiça, com o Ministério Público, Assembleia Legislativa, Câmaras Municipais, Associação Mineira de Municípios (AMM).
Eu tenho uma amiga que sempre diz que "o punitivista é sempre um preguiçoso", porque é mais fácil punir do que convencer. O Tribunal quer trilhar o caminho mais difícil. Antigamente se dizia que o tribunal não era Tribunal de Contas, era Tribunal de Faz de Contas. A gente tem que superar isso e mostrar que estamos vivos.
“Nós temos normas legais. Por exemplo, todo prefeito já devia ter universalizado creche e educação infantil. Todos os municípios mineiros, por lei federal, já deviam ter um plano municipal da primeira infância. Só 70 municípios, nem 10% do estado, têm esse plano com ações de proteção”
O senhor cita a frase “muito vale o já feito”, de Fernando Brant e Milton Nascimento. Onde ela se encaixa na sua trajetória à frente do TCE?
Eu estive em Roraima em uma atividade, no final de novembro do ano passado, que eu considerei inédita em termos de Tribunais de Contas. Foi um encontro com povos originários promovido pelo Ministério Público de Contas daquele estado. Lá eu vi um testemunho muito pungente de um palestrante, professor em Roraima, que foi perguntado pela filhinha de 7 ou 8 anos, ela fez uma pergunta daquelas que só crianças fazem: ‘Pai, o hoje é amanhã?’. Ele pensou um pouco e disse: “hoje é amanhã”. Nós temos muitas tarefas urgentes para a gente pensar se mais vale o já feito, e que não podem esperar muito.
Nós vamos lançar daqui a duas semanas o nosso plano de ação dentro dessa perspectiva do hoje é amanhã. Vamos continuar o trabalho de muita gente, mas nós vamos fazer levantamento das terras devolutas em Minas Gerais. Vamos contribuir com o governo do estado no Programa de Pleno Pagamento da Dívida (Propag), porque essas terras podem ser incluídas para reduzir a dívida do estado. São terras para a reforma agrária, terras para assentar quilombolas. Terras que estão sendo ocupadas indevidamente sem gerar nenhum tipo de benefício ao estado, e que algumas empresas querem até devolver essas terras.
Como que o Tribunal de Contas participa nessa questão ambiental relacionada à mineração?
Nós participamos com conscientização, mas também com a ação fiscalizadora. Quem fiscaliza a Secretaria de Estado de Meio Ambiente é o Tribunal de Contas, quem fiscaliza a concessão de licenças municipais e de acordos municipais para que haja exploração é o TCE. Nós fiscalizamos o fiscal. Se o guarda não está guardando bem, quem está acima para vigiá-lo tem que ter uma ação.
Outra coisa é no sentido de mobilizar as câmaras municipais e a sociedade civil em relação às tragédias. A gente dizia “Mariana nunca mais”, aí veio Brumadinho e a gente continuou repetindo “Brumadinho muita nunca mais”. O Tribunal de Contas no passado já tinha feito uma fiscalização em Mariana e alertado para os riscos da ausência da Secretaria de Estado e Meio Ambiente.
O senhor criou uma mesa conciliadora do Tribunal de Contas. Como ela vai funcionar?
Eu posso dar um exemplo concreto que são as clínicas do Detran. O governo do estado, há dois anos, soltou um decreto permitindo, dentro da tese do livre mercado, que poderia se abrir clínica quem quisesse e como quisesse, sem ter uma regulamentação. O Código Nacional de Trânsito deixa claro que as clínicas podem funcionar, mas com regulamento. Eu suspendi o decreto das clínicas. Houve uma boa vontade do governo do estado, do antigo Detran, e nós começamos a negociar. Depois houve a transição com a Secretaria de Transporte e nós chegamos ao final com uma regra que permite abrir, mas principalmente em cidades que não tenham clínicas, ou cidades grandes que as clínicas atuais não estão atendendo a demanda.
O maior exemplo que nós temos hoje é da Lagoa da Pampulha. O conselheiro Cláudio Terrão chamou o governo do estado, Copasa, municípios de Contagem e Belo Horizonte, e pela primeira vez tem um termo de ajuste de gestão, uma negociação na mesa que vai caminhar para resolver o problema do esgoto. Outra grande negociação foi a que o conselheiro Agostinho Patrus conduziu sobre os ônibus em Belo Horizonte. A liberação de recursos foi usada para renovar as frotas dos ônibus.
Só que não existia um regulamento legal, então eu criei agora uma mesa de negociação e o coordenador desta mesa será o conselheiro Patrus. Pode ter um relator do Tribunal que convide uma negociação ou pode ter alguém que está sendo fiscalizado propondo uma negociação. Desde que as partes queiram, nós vamos negociar. É melhor do que processo se arrastar por 5 ou 10 anos, os prazos são curtos para mesa de negociação, em 120 dias você tem a solução do problema.
“Nós vamos lançar daqui a duas semanas o nosso plano de ação dentro dessa
perspectiva do hoje é amanhã. Vamos continuar o trabalho de muita gente, mas nós vamos fazer levantamento das terras devolutas em Minas Gerais”
A suspensão da cobrança dos pedágios do vetor norte da Grande BH é um assunto para essa mesa de conciliação?
É um processo que ainda está em andamento, que eu vou votar. Todos esses processos que eu comentei são processos findos, então eu posso comentar. Mas de qualquer maneira, se a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra) quiser uma mesa de negociação, ela tem direito. A única coisa que eu decido como presidente é a admissibilidade, eu já te adianto que concordaria com a mesa de negociação. Você chamaria quem fez a denúncia, que foi o bloco de oposição da Assembleia, a Seinfra e o próprio relator sentariam na mesa e discutiriam.
A repercussão está sendo grande por envolver o tecido metropolitano e até pelas bases de cobrança de tributo serem em trechos próximos. Pode encarecer muito a vida do cidadão metropolitano. A cidadania não é só para quem nasce na cidade. Hoje, a gente tem uma cidadania metropolitana, os problemas têm que ser resolvidos coletivamente. Se houver requerimento nesse sentido, como presidente do Tribunal vou despachar favorável à mesa de negociação.
A inteligência artificial é um assunto tão em voga, mas como ela tem feito parte do Tribunal de Contas nesse processo de fiscalização?
Como filósofo, eu não sei se ela é tão inteligente assim, se ela tem essa autonomia. Quando você imagina o seu trabalho como jornalista, ou a produção intelectual, isso vai para um banco de dados e alguém se apropria disso sem pagar direito. A inteligência artificial é uma “coladora artificial”, é uma apropriadora de saber alheio.
Mas são paradoxos, porque do mesmo modo que tem esse lado negativo, tem um lado bom e positivo. Nós trabalhamos com inteligência artificial há 10 anos no Tribunal de Contas. Temos uma rede que se chama Suricato, uma malha de fiscalização com várias trilhas que eu posso saber preços médios, por meio de notas fiscais de compras públicas, para saber se tem um superfaturamento. Eu tenho uma trilha de investigação de licitações para saber se estão superfaturadas. Eu tenho rede, por exemplo, de todos os servidores públicos que são pagos em Minas Gerais de todas esferas, e aí eu tenho como saber acúmulo ilegal.
Nós já temos essa rede, se não, como nós chegaríamos em 853 municípios tendo 1.700 servidores? Hoje eu abro todos os dados em processos eletrônicos. Nesse sentido, é um grande avanço. A gente tem que separar o joio do trigo, e ver quais são os aspectos positivos.