MÚSICA

Como Lô Borges transformou BH em ponto de partida para o infinito

A BH que habitava em Lô resultou numa textura musical capaz de traduzir nossos contornos culturais e expandi-los em uma sonoridade absolutamente atemporal

Publicidade
Carregando...

Daniella Zupo

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O ESTADO DE MINAS NO Google Discover Icon Google Discover SIGA O EM NO Google Discover Icon Google Discover

Especial para o EM

Tenho escutado muito Lô Borges. Imagino que você que me lê também. Do álbum seminal, criado a convite de Milton Nascimento com os músicos de um movimento que seria depois conhecido como o Clube da Esquina, aos discos da profícua carreira solo, só tem dado Lô na minha vitrola. 

Lô Borges, convenhamos, é o maior compositor de Belo Horizonte. E foi o compositor que escolheu viver aqui e daqui produzir sua obra musical. Um ato de rebeldia criativa – ser um artista fora do eixo Rio-SP em uma época em que todos partiam para garantir uma carreira comercialmente viável – que pode ser visto também como um gesto de amor à cidade que sempre o inspirou, ou quem sabe, até mesmo uma necessidade criativa.  “Olhando o Lô, eu tive certeza de que era possível nascer em Belo Horizonte e fazer uma música que fosse interessante aos ouvidos do Brasil e do mundo” afirmou Samuel Rosa.

Nenhum outro compositor belo-horizontino conseguiu criar de dentro de sua aldeia para soar tão universal. Existem outros compositores que fizeram de Belo Horizonte paisagem de suas canções. Mas Lô fez da cidade seu observatório para outras galáxias e foi além de geografias e espaços que pudessem definir sua música. “Quando Lô Borges chegou com sua musicalidade, surgindo em 1972 ali no núcleo do Clube da Esquina, pra mim foi e até hoje é a disrupção mais bem acabada na música brasileira” afirma o crítico musical Julio Maria, autor de biografias de Ney Matogrosso e Elis Regina. “A gente explica todo mundo entendendo o espaço e o tempo em que vivia, a gente explica Ney, Elis, Caetano, Gil, Roberto. A gente só não consegue explicar Lô Borges e Milton Nascimento. O Lô poderia viver em 1930 ou 2055 que ele seria ainda algo a chegar”, complementa.

Ninguém traduziu melhor musicalmente o mar destas montanhas a desenhar os nossos horizontes. Ou a paisagem íngreme de ruas que exigem desde sempre fôlego pra serem descobertas. No trem azul de Lô Borges, inspirado em um trem que viu em Amsterdã, estão os ecos desta cidade boemia, literária, musical. A Belo Horizonte que habitava em Lô resultou numa textura musical capaz de traduzir os nossos contornos culturais apenas para expandi-los em uma sonoridade absolutamente atemporal.

Não que ele não tenha pegado a estrada. Por um ano viveu no Rio com os companheiros do Clube. E, logo após finalizar o seu “Disco do Tênis”, em 1973, passou anos viajando sem destino. Ao voltar, alguns anos depois, com as músicas que tinha composto, lançou “A via-láctea” (1979), até hoje considerado um dos grandes álbuns de sua carreira. A partir daí, a estrada era apenas pra fazer shows. Belo Horizonte permaneceu a casa que o artista escolheu para morar e produzir seus discos. 


Recentemente, o Estado de Minas produziu uma admirável série de reportagens sobre a obra de Lô Borges, entre elas, uma que percorria os lugares da cidade que o inspiraram.  “Lô amava Belo Horizonte” afirmou o irmão Yé Borges, guia no roteiro afetivo.

Leia: Eu vivo em seu coração: o mapa de Lô Borges na capital mineira

Mas, para além dos seus lugares que influenciaram a trajetória do artista, Belo Horizonte parecia habitar a paisagem interior de Lô, como uma espécie de Liverpool de Paul McCartney ou John Lennon. E como os seus eternos ídolos, ele levou consigo a cidade por onde passou.

Que a obra de Lô Borges é eterna, não resta dúvida. Mas a importância desta obra para cidade em que ele viveu toda uma vida, a exemplo do que acontece com outros grandes artistas em outras cidades, deveria ser integrada à arquitetura cultural de Belo Horizonte. Como na Liverpool dos Beatles ou no Rio de Janeiro de Tom Jobim, que essa relação possa ser legitimada e celebrada não apenas em uma placa entre as ruas em que Lô se sentava ao violão para cantar nas noites de Santa Tereza. 

Já é tempo de deixar claro para quem visita a cidade, que aqui nasceu o Clube da Esquina. E que aqui viveu um compositor universalmente mineiro chamado Lô Borges. Que tal, por exemplo, rebatizar a principal praça de Santa Tereza atualmente com nome de um militar nascido no Rio de Janeiro, como “Praça Lô Borges” ao lado dos versos:

“Ando por Santa Tereza a me lembrar do que fui.”

Aqui nasceu e viveu Lô Borges, compositor e um dos integrantes do Clube da Esquina, movimento que revolucionou a música popular brasileira.

Na música de Lô Borges, Belo Horizonte não é apenas origem, é um eterno ponto de retorno e eixo de identidade. E sua obra prova que é possível ser universal sem sair da esquina.

Não uma esquina qualquer. A esquina do Lô. 

DANIELLA ZUPO, jornalista e escritora, autora de livros como “O dia em que encontrei Bob Dylan numa livraria de Estocolmo” (Miguilim), publica conteúdo sobre música, literatura e outras artes no site, newsletter no substack e em canal do YouTube com o seu nome 

Tópicos relacionados:

clube-da-esquina lo-borges

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay