LITERATURA

Leonardo Piana une angústias no romance 'Tarde no planeta'

Duas vezes vencedor do Prêmio Cidade de Belo Horizonte, escritor mineiro aborda crises pessoas e inquietações com o destino da humanidade em livro

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Para um dos personagens principais de “Tarde no planeta”, é o fim do mundo como o conhecemos – e ele, atormentado por descobertas de segredos de família, não se sente nada bem. Prêmio Cidade de Belo Horizonte, o segundo romance do mineiro Leonardo Piana une angústias em narrativa fluida e intimista a ponto de estabelecer (às vezes literalmente) uma conversa de pé de ouvido com o leitor. O lançamento em BH ocorre neste sábado (15/11), às 11h, na Livraria Quixote, em bate-papo com a escritora e editora Ana Elisa Ribeiro. 
Nascido em 1992 na cidade mineira de Andradas, Piana já havia vencido o Prêmio Cidade de Belo Horizonte com o romance de estreia, “Sismógrafo” (Macondo), finalista dos prêmios Jabuti, São Paulo e Mix Literário. Ganhou também o Prêmio Sesc com o livro de poesias “Escalar cansa”(a ser lançado pela editora Senac em dezembro) – e chama atenção o fato de que, ao revelar em nota os diálogos estabelecidos de “Tarde no planeta” com outros autores, há mais citações de poetas (Drummond, Cecília Meireles, Ana Martins Marques, Marília Garcia, Alice Sant’Anna) do que contistas ou romancistas. “Nesse romance, acredito que a poesia funcione como uma resposta possível às catástrofes, a natural e a familiar, nas quais os personagens estão imersos”, afirma o autor, em entrevista ao Pensar do Estado de Minas.
 
Leia, abaixo, a entrevista com Leonardo Piana, uma das revelações da literatura mineira dos últimos anos.

 
Qual o ponto de partida para “Tarde no planeta”?
A sensação de uma catástrofe iminente. Carlos, um dos personagens, acorda um dia com a certeza de que o mundo está prestes a se transformar. Em meio às crises ambiental e política que estamos atravessando enquanto humanidade, para mim era importante trazer essa sensação à tona, tanto como tema quanto no tom do romance. 

Consegue estabelecer conexões entre “Tarde no planeta” e “Sismógrafo”?
Ambos os romances se ocupam, cada um a seu modo, da ideia de encontrar alguma medida para as catástrofes, sejam elas íntimas ou ambientais. Colocar lado a lado acontecimentos de impacto coletivo, aqueles que viram notícia, com a vida cotidiana, aparentemente banal, é algo fascinante para mim. É aquela famosa frase de Kafka registrada num diário, “Hoje a Alemanha declarou guerra à Rússia. De tarde fui nadar”. No “Sismógrafo”, o encontro dessas duas dimensões, a individual e a coletiva, aparece como pano de fundo. Em “Tarde no planeta”, isso funda a estrutura do romance.

Como o fato de ter nascido em Andradas, no interior de Minas, influencia as suas narrativas?
Nascer e crescer no interior me fez estar próximo do mundo natural, me apaixonar pelas paisagens do sul de Minas e fazê-las crescer no meu interior e no dos meus personagens. Além disso, há traços de uma cultura dita caipira que ressoam naquilo que escrevo, nas imagens, no ritmo, porque é também através do filtro dessa cultura, dessas pessoas, que enxergo o mundo. Pretendo trazer isso com ainda mais força nos meus próximos trabalhos literários.

Na nota do autor, você informa que “Tarde no planeta” “dialoga com vários autores”. A maioria dos citados são poetas, inclusive alguns nomes contemporâneos, como Ana Martins Marques, Alice Sant’Anna e Marília Garcia. Qual a importância da poesia para a sua prosa?
Nesse romance, acredito que a poesia funcione como uma resposta possível às catástrofes, a natural e a familiar, nas quais os personagens estão imersos. Para mim, a poesia baliza os sentidos para o mundo, no sentido de dar mesmo um contorno à nossa experiência. Talvez uma história que acontece nessa fronteira, nessa espera por um desastre, como é o caso de “Tarde no planeta”, precise desses contornos. Por isso estabeleci esse diálogo com grandes poetas ao longo do texto. Quanto à importância da poesia para a minha escrita em prosa, não acredito que tenham origens muito diferentes. Na hora de escrever, acaba sendo a mesma coisa, mas com procedimentos distintos: o da prosa, mais detido, lento, e o da poesia, mais espontâneo, distraído. 

E a música (o livro cita “Comentário a respeito de John”, de Belchior)?
O que me move a escrever é, antes de tudo, a linguagem e o que ela contempla: som, ritmo, imagem. Muitas vezes, a música me desloca para esse lugar da criação a partir da linguagem, porque faz com que tudo isso nos chegue de forma imediata. Quando eu era criança, lembro que o meu pai escutava música caipira no rádio do carro, e de alguma forma eu sentia que também queria fazer, do meu modo, aquilo que estava escutando, porque eram canções que contavam histórias. Aquilo me emocionava de um jeito muito misterioso. Hoje entendo que era linguagem pura. Trazer a música para dentro do meu texto, então, é, além de fazer uma homenagem a artistas que admiro, colocar o personagem – e, por consequência, o leitor – em contato mais imediato com a linguagem.

Conseguimos perceber, ao longo da leitura, um duplo desmoronamento no livro: do mundo como o conhecemos e de uma estrutura familiar. Como foi unir esses dois desmanches?
Uma ideia de apocalipse, seja ela qual for, nunca é indissociável de um apocalipse pessoal. Para mim, era inevitável retratar como o “desmoronamento do mundo”, como você disse, impacta diretamente na vida íntima dos personagens. E, para a literatura, é essa vida interior que importa. Eu não estava preocupado, de maneira nenhuma, com fazer jus à realidade na hora de escrever sobre os possíveis fins de mundo, mas sempre me preocupo com essa verdade da vida íntima na hora de relacionar as duas coisas.

Como os prêmios Sesc, com um livro de poesia, e Cidade de Belo Horizonte, com os romances, mudaram a sua trajetória?
O que os prêmios fazem é dar um tipo de chancela, dizer que um livro ou um autor merecem ser lidos, de acordo com um conjunto de critérios, em geral subjetivos, de cada jurado. Todos os prêmios que meus livros venceram até agora foram atribuídos às cegas, isto é, sem saber quem era o autor, sem levar em conta um selo editorial etc. Para mim, é uma maneira mais justa de atribuir um prêmio literário, porque a qualidade do texto se torna o único fator. Isso me dá alguma segurança extra, tanto para ter meus trabalhos publicados quanto para seguir escrevendo. E, num cenário em que os artistas carecem de mecanismos de incentivo, isso é mesmo muito valioso.

Você pratica escalada, atividade que aparece no livro. A escalada, de alguma forma, o ajuda na escrita? Consegue fazer uma associação entre as duas atividades, escalar e escrever? 
Me ajuda na medida em que, como uma meditação, me faz estar, ainda que momentaneamente, alheio a todas as outras coisas. Quando você escala no seu limite de dificuldade, tem de ser você e a pedra, e mais nada pode ter muita importância. E tem a vulnerabilidade – é um esporte que exige técnica, que inclui algum risco e te faz sentir muito vulnerável. Portanto, te faz sentir mais vivo também. É uma sensação parecida que tenho quando escrevo, que estou me colocando num estado de vulnerabilidade. Isso me faz sentir vivo. Não gosto de escrever se não estiver me sentindo assim.

Em algumas passagens do livro, o narrador se dirige diretamente ao leitor. Por que utilizou esse recurso? 
Ao longo do romance, o leitor presencia a vida e o pensamento de uma família de um jeito bastante íntimo. Estabelecer essa conversa direta com o leitor me pareceu um modo de trazê-lo para ainda mais perto desses personagens, trazê-lo para dentro da história.

O que foi mais marcante na residência literária que acaba de fazer em Portugal?
Ter as condições ideais para a escrita – espaço, tempo, silêncio. Foi algo praticamente inédito para mim e muito produtivo. Gostaria de ter, e que outros escritores também tivessem, mais oportunidades de me dedicar, ainda que por um período muito curto, exclusivamente à escrita. n

 

Trecho

(De “Tarde no planeta”, de Leonardo Piana)


“Voltou ao livro. Um a um, os poemas abriram uma fresta. Ele enxergou outra pessoa: sua mãe, bem antes dele, quando decerto nem podia imaginar um filho. No espaço entre as palavras dava para ver uma mulher apaixonada de – ele calculou – vinte e seis anos. A mãe em casa, no quarto que seria o quarto dele, o cabelo comprido num rabo de cavalo que não usava mais, escrevendo poemas e fumando um cigarro atrás do outro. Era uma pena que só lhe tivessem restado o cigarro e tarefas domésticas intermináveis, aulas sem emoção, nenhum poema mais para ser escrito. O que parecia existir para a mãe agora era apenas esse adiamento do tempo, uma prorrogação da morte a cada dia mais próxima de todos os seres vivos deste planeta – e de todas as mães, também a minha, ele pensou.”   

“Tarde no planeta”

De Leonardo Piana
Autêntica Contemporânea
176 páginas
R$ 64,90
Lançamento em Belo Horizonte neste sábado (15/11), às 11h, na Livraria Quixote (R. Fernandes Tourinho, 274, Savassi) em bate-papo do autor com Ana Elisa Ribeiro.   
 

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