Francisco Alvim: a paisagem política, pictórica e amorosa do poeta
Augusto Massi reflete sobre a trajetória e a força literária de Chico Alvim, poeta que atravessa gerações com humor, lirismo e crítica social
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Augusto Massi
especial para o EM
É difícil falar sobre Francisco Alvim. Conversar com o próprio é mais fácil. Chico existe muito além da poesia. Embora more longe sinto-o sempre por perto. Figura machadiana: conselheiro Alvim. Humor alusivo de nuvem. Cisco no olho. Olho que cisca. Por fora: superfície de lagoa. Lambaris vermelhos. Por dentro: mineral de terras raras. Gaivota meditativa.
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Como tantos da minha geração, percorri infinitos sebos a procura dos primeiros livrinhos marginais. Penso em Cacaso, Vilma Areas e Flora Sussekind que, por vezes, distribuíam a muamba. Após tanta procura, decidi editar as “Poesias reunidas [1968-1988]” na coleção Claro Enigma, pela Livraria e Editora Duas Cidades. Na época, consegui arrancar uma orelha histórica do Roberto Schwarz. Foi ele quem disse pela primeira vez: “Francisco Alvim é um grande poeta”.
Em 2004, voltei a cena do crime. “Poemas [1968-2000]” saiu pela coleção Ás de Colete, parceria de Cosac Naify com a 7Letras. Eu e Carlito Azevedo notamos que havia uma nova geração de poetas que já não encontrava os livrinhos e nem o livrão. De tempos em tempos, regressamos aos poemas de Chico Alvim. Hoje ele representa um horizonte literário.
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Em 2015, a coleção Luna Parque, dirigida por Marília Garcia e Leonardo Gandolfi, publicou “Vinte e cinco poemas”, de Chico e Mariano Marovatto. Recentemente, pelas mãos de Silvia Nastari e Bruno Zeni, a Quelônio relançou “80 anos”, antologia organizada por Heitor Ferraz para celebrar a comovente participação do poeta no Festival Poesia no Centro, realizado em maio de 2025, em São Paulo. Elenco tais edições pois elas revelam a respiração lírica e a postura ética do poeta que sempre alternou projetos artesanais com as edições mais tradicionais. Os livrinhos convivem dentro de um livrão. Dia sim, dia não, passatempo, festa, lago, montanha. Tudo é poema. Reunião.
Chico tem aquela cabeça mineira (meio Araxá, meio Itabira), andar montanhoso de carioca (meio corcovado, meio frenesi), ouvidos diplomáticos (um escuta pra dentro, outro escuta pra fora), o olhar que flana no ar azul do planalto. Penso que essa experiência tripartida em voo solo nacional, enriquecida por temporadas em Paris, Barcelona, Roterdã, dotou a poesia de Chico de uma paisagem política, pictórica, amorosa. Bopp de lagoa. Baudelaire de Brasília.
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Os poemas de Chico se parecem com corredores. As portas batem com violência. Versos diminutos são janelas basculantes. A gente tem vontade de circular. Tantos Chicos. Alvim nenhum. Voto no Alvim. Pra ele não entrar na Academia.
AUGUSTO MASSI é professor universitário, poeta e editor