Mergulho nas possibilidades de uma vida

Leia uma das histórias de "O rosto sem face", livro de Fernando Armando Ribeiro que será lançado na próxima terça-feira na Academia Mineira de Letras

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Breves histórias de nosso momento, nossos sonhos e nossas vidas. Assim o escritor Luís Giffoni define as narrativas incluídas em “O rosto sem face”, livro do escritor, professor e magistrado mineiro Fernando Armando Ribeiro, a ser lançado na próxima terça-feira na Academia Mineira de Letras (AML). Nascido em Belo Horizonte, Ribeiro ocupa a cadeira 34 da Academia Mineira de Letras Jurídicas e integra o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG). Entre os livros que já lançou estão “Shakespeare e Cervantes: diálogos entre direito e literatura” (Letramento, 2016) e “Espectros poéticos da justiça” (Del Rey, 2019).


Na apresentação de “O rosto sem face”, Giffoni destaca a pluralidade temática e de vozes narrativas dos contos. “Diversidade de temas, de lugares, de tempos, de sotaques”, ressalta. Para Giffoni, o novo livro de Ribeiro pode ser definido como “um mergulho nas possibilidades da vida em suas múltiplas perspectivas, sob a ótica da arte. Leva a uma aventura pelos diversos rostos que o conto pode assumir para encantar os leitores.”


Leia, ao lado, uma das narrativas de “O rosto sem face”.

“Os sete pecados capitais”

Ira


Com um chute espantou o cão que atravessava seu caminho, e saiu da garagem indiferente à gentil saudação do porteiro. Esmurrou a buzina ao motorista que invadira a faixa de pedestres e, na porta da escola, estacionou o carro em fila dupla. Dali, partiu em tal velocidade que, em poucos minutos, deixou o filho em casa, chegando, por fim, ao local da manifestação. Abrindo o porta-malas retirou o cartaz que carregaria com vigor naquele dia: “PAZ”.

Inveja


Tinha fascínio por aquele andar, aquele olhar, aquele sorriso. Como não podia roubá-los, contudo, usava os mesmos sapatos, óculos e batom que sua prima. Assim, procurava aplacar, a cada dia, o estranho e insaciável desejo de deixar de ser ela mesma.


Gula


Tinha um gosto tão grande pela vida, que sentia como se pudesse devorá-la. Não sabendo, porém, como lamber a lua, abocanhar as nuvens e beber o oceano, consumia com voracidade sorvetes, bolos e refrigerantes. Aos médicos, dizia que não se exercitava, mas caminhava todos os dias pela praia, momentos em que sentia como se estivesse a devorar o mundo. Às vezes, sem saber por quê, chorava, e comendo churros, secava essas lágrimas, que raramente eram de tristeza.

Luxúria


No clímax do ato, o homem olhou mais uma vez o espelho. Ali, não viu, contudo, a mulher belamente nua diante de si. Contemplou o azul de seus olhos e o próprio corpo, que ainda conservava algo do antigo tônus muscular. A mulher, porém, não recebia nenhuma acolhida do espelho. Assim como outras, havia declarado a ele o seu amor e, em vão, lhe fizera promessas. Mas, para ele, palavras não bastavam: o coito era o único refúgio contra o temor da rejeição. Estava condenado a buscá-lo. Instante fugaz de desejo, testificado na fidelidade dos espelhos.

Avareza


Amava contemplar-se no ouro, no dinheiro, nos imóveis, e sentia dores físicas diante dos impostos. Antes de fechar um bom negócio, era comum correr ao banheiro para se masturbar. Rezava todas as noites pelo fim da pobreza, pois não suportava ver pessoas doando dinheiro aos pobres. Certa vez, teve febre e náusea ao testemunhar uma senhora entregar a um mendigo deficiente tudo o que tinha na carteira. Se algum dia lhe exigissem aquilo, preferiria que lhe arrancassem o próprio braço.

Soberba


Ainda menino, na roça onde moravam, notaram sua mania de grandeza e uma certa soberba no olhar. Entre os irmãos, em tudo queria ser o primeiro. Certa vez, fugiu de casa por não ter sido elogiado como o melhor aparteador de gado. Homem feito, na cidade, com frequência proclamava ser muito humilde, ocasiões em que exibia na face aquele mesmo olhar dos tempos de menino.

Preguiça


Era um lindo sábado de sol, e os jornais anunciavam as florações da primavera. Colegas de trabalho tinham marcado um almoço, e amigos mandavam incessantes mensagens chamando para um passeio de bicicleta. José, contudo, colado à cama, renunciava a todos os convites do dia. De pernas para o alto, e indiferente aos anúncios da Black Friday, não concebia outro movimento que o dos lábios arqueando num sorriso.

“O rosto sem face”
De Fernando Armando Ribeiro
Editora Ramalhete
122 páginas
R$ 60
Lançamento na próxima terça-feira (30/9), às 18h30, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Belo Horizonte)

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