Primeira leitura

Leia trechos dos novos livros de Branca Maria de Paula

Escritora mineira lança "Alfabeto de lesmas", coletânea de poemas, e "Se tocássemos violino seríamos felizes", com reunião de contos

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Branca Maria de Paula

“Desmanche”

Comecei a chorar e a lavar a roupa e depois lavei a louça com o mesmo ímpeto, raspei a esponja de aço no tabuleiro e (eu lá tenho culpa se galho seco precisa ser cortado?) passei pano molhado na casa (lágrimas estúpidas... não me deixam enxergar nada), depois não suportei o ranço de mijo do banheiro e esfreguei peça por peça até forçar o brilho e dei descarga (dejetos têm que ir pro esgoto/você morreu pra mim), juntei o lixo de ontem: um monte de papel rasgado, de rascunhas de escritos frases incompletas poemas quase encarnados, e lixo de hoje: farelos e formigas casca de banana restos do almoço couve-flor caroços de feijão roxo (saudade roxa, paixão, passos vacilantes me levaram pra longe do centro, pra perto de você cada vez mais longe de mim), folha de alface abandonada na última garfada e o último pedaço de bife, de repente insuportável ao pensamento de não morder seus lábios (um pecado jogar tanta comida fora e não beber seu sangue), amarrei tudo bem amarrado, dei nó (e a língua também calei) pus lá fora (não quero mais saber do século passado), por pouco não martelo o dedo e (doeria menos, muito menos) isso tá mais pra doença, num tem remédio que resolva, como se fosse um aleijão que ninguém vê e (eu feito adolescente imbeciloide) livrei-me do vaso de begônia porque ela também não sabia o que queria, ficava lá sem saber se estava viva ou morta, aí me subiu uma raiva (não tenho culpa se galho seco precisa ser cortado), pincei os pelos da perna como se expurgasse praga de jardim (eu lá tenho culpa se escurece? se escurece é porque o mundo girou), arrastei os móveis e dispus a sala ao avesso, se cortasse um dedo talvez não doesse tanto (e se eu cortasse o cabelo de novo, se raspasse a cabeça toda?), peguei a caixa de ferramentas e (a dor não passa) martelei o prego que exorbitava da porta e outro que de imediato sucumbiu na parede fofa e (tem coisa que é de primeira categoria, tem coisa que é de última) senti um alívio enorme em botar o lixo pra fora e também aquelas bobagens todas que escrevi (paixão não tem futuro e amor não tem conserto), aquelas bobagens todas que escrevi rasguei com raiva, com força, e só depois disso tirei um cochilo aproveitando a calma passageira, antes que você voltasse.

“Soberana”

Proclamada rainha
Não tive vassalo

Se a boca emudece
A dor não se cala

E o morto me olha
De todos os lugares

Mas a vida, soberana
Reclama cuidados


*

“Hiato”

Entre a manhã e a noite
Entre o beijo e o repouso
Entre o teu desejo e o meu

*

“Escaramuças”

Durmo com a loucura
Mas com ela não me caso

Visito os cárceres do medo
Mas não sou
Do medo prisioneira

Arranho a violência
Mas ela não mata o verso
Em meu sangue submerso

“Alfabeto de lesmas”
• De Branca Maria de Paula
• Editora Sinete
• 80 páginas
• R$ 50


“Se tocássemos violino seríamos felizes”
• De Branca Maria de Paula
• Editora Faria e Silva
• 128 páginas
• R$ 52,90

• Lançamento dos dois livros neste sábado (12/7), das 10h às 13h, no pátio do CCBB, com autógrafos da autora


Palavras da autora

“Alfabeto de lesmas”

“O livro ‘Alfabeto de lesmas’ simplesmente aconteceu. Não era minha intenção publicar, porque nunca me considerei poeta. Mas, no começo deste ano, meu amigo Hugo Almeida, escritor, me disse que a editora Sinete estava à procura de inéditos de poesia ou contos. E minha cabeça mudou. Principalmente porque ninguém, em sã consciência, procura poemas para publicar. Então, resolvi tentar. Pouco mais de uma semana veio a resposta da Carla Dias e do Whisner Fraga: sim, queremos. Há textos escritos em 1991 e 2009. Ou seja: a poesia vez em quando ‘me visita’, sem explicação.”

*

“Se tocássemos violino seríamos felizes”

“Os 18 contos reunidos começaram a ser criados por volta de 2010. Vou escrevendo e jogando em uma pasta. Não escolho a temática, a temática me escolhe, e não me afobo para publicar nada, por mais que eu queira me ver livre daquele fardo, que é um original na gaveta. Trabalho à exaustão cada texto. Organizo o livro seguindo o meu olfato, procurando conexões que intuo mais que compreendo. Prefiro escrever outro conto a especular sobre o que eu escrevi. É que a razão manda pouco. Mais de duas décadas se foram. Por três vezes troquei o título do original. Mandei para várias editoras, inutilmente. Entrei em dois ou três concursos. Também nada resultou. Até que no ano passado, por indicação do meu amigo, e também escritor, João Batista Melo, aconteceu a Faria e Silva, com a qual fechei contrato.”

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