Editora de livros com a música como fio condutor, Zain publica dois Nobel
Fundada pelo mineiro Leonardo Silva, editora lança coleção Libro & Libreto com obras de Jon Fosse e Halldór Laxness
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Siga noSein virou Zain. A versão abrasileirada dos verbos ser/estar, em alemão, batiza a editora criada pelo mineiro Leonardo Silva para publicar livros que têm a música como fio condutor. Morando em Berlim desde 2017 depois de passar por Heidelberg e Zurique para estudar engenharia de produção, o belo-horizontino de 35 anos imprimiu ao catálogo da Zain uma identidade diferenciada.
“De início iriam ser apenas livros de teoria de música”, revela. A intenção inicial do compositor foi modificada quando Leonardo conheceu Luiz Antonio de Assis Brasil e o autor gaúcho contou que acabara de escrever uma narrativa romanceada sobre o pai de Mozart e “estava esperando por uma editora que não existia”. Assim, nasceu “Leopold – uma novela”, primeiro lançamento da Zain, “música em forma de livro”, em 2023, e que será lançado na Alemanha pela editora Sujet Verlag, de Bremen.
Dois anos depois de publicar “Leopold”, a Zain tem mais doze livros em catálogo, quantidade inferior à dos lançamentos mensais de grandes editoras. Mas com uma diferença: cada um dos títulos tem conexão, direta ou indireta, com a música. E passou pelos olhos e ouvidos do dono.
“É o nosso diferencial, não conheço uma editora com esse perfil no Brasil”, acredita Leonardo Silva. Depois de “Leopold”, veio “Todas as manhãs do mundo”, do francês Pascal Quignard, com a história de um mestre da viola da gamba na França do século 17, seguido por “Floresta de lã e aço”, da japonesa Natsu Miyashita, a respeito de um jovem que se encanta pelo trabalho de afinador de pianos. Adotado por três clubes do livro, “Floresta” está entre os mais vendidos da editora.
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A Zain publicou também “Os passos perdidos”, do cubano Alejo Carpentier, com posfácio de Leonardo Padura Fuentes, “Rádio Noite”, “romance acústico” do ucraniano Yuri Andrukhovytch e “Folk music – Uma biografia de Bob Dylan em sete canções”, do norte-americano Greil Marcus.
O Brasil é representado por “Duas línguas”, da mineira Laura Cohen Rabelo, sobre um violonista conhecido internacionalmente que, ao se deparar com retrato seu de 30 anos atrás, relembra, em fluxo de consciência, a juventude em uma cidade do interior de Minas. Mais recentemente, veio o comovente “A senhora Pylinska e o segredo de Chopin”, do francês Éric-Emmanuel Schmitt, vencedor do Prêmio Goncourt em 2010. No posfácio, Leonardo Silva lembra que o compositor polonês aparece nas obras de Drummond, Machado de Assis, Hesse, Coetzee, Proust, Thomas Mann... “São infinitos os caminhos até Chopin para o leitor de ficção e este é um deles. Que seja uma porta de entrada: descobrir a música na literatura, ou a música a partir da literatura”, escreve Leonardo.
Os cinco anos dedicados à engenharia de produção trouxeram ao editor uma visão mais pragmática do negócio dos livros. “Existe uma fantasia do artista que vive em outro planeta, mas eu venho da engenharia. Entendo como as coisas funcionam e sei a importância de estimar custos, por exemplo”, destaca.
A editora vive um momento especial em 2025, com os lançamentos quase simultâneos de três romances de grande relevância. “Mumbo Jumbo”, do norte-americano Ishmael Reed, definido pelo escritor brasileiro Vinícius Portella no posfácio como “um acontecimento” publicado 50 anos atrás nos EUA e que “o tempo parece ter realçado suas linhas de força e recompensado as várias apostas arriscadas feitas por seu autor”.
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Os outros dois lançamentos de ficção levam a assinatura de ganhadores do prêmio máximo da literatura. “Os peixes também sabem cantar”, de Halldór Laxness (1902-1998), foi escrito na década de 1950, pouco antes de o islandês ser anunciado como o vencedor do Nobel de 1955. Com descrições de paisagens islandesas e da vida cotidiana em Reykjavik no início do século 20, “Os peixes...” é descrito como um romance de formação de uma sociedade em transição. “Laxness nos conduz por uma narrativa que transcende tempo e espaço, explorando temas universais como a busca por identidade, o lugar do artista na sociedade, a fragilidade da fama e o embate entre tradição e modernidade”, afirmam os tradutores Francesca Cricelli e Luciano Dutra.
O outro lançamento é ainda mais especial. “Manhã e noite”, do norueguês Jon Fosse, inicia a coleção Libro&Libreto (dedicada à publicação de romances que foram adaptados para óperas). Em dois formatos (brochura e box), a edição da Zain anexa ao romance original o libreto escrito pelo Nobel de Literatura de 2023 para a ópera homônima do austríaco Georg Friedrich Haas, que estreou em Londres em 2015.
“Os escritos de Fosse fluem e refluem como ondas: são poemas que se transformam em romances que são adaptados para os palcos e vice-versa”, aponta, no posfácio, o tradutor Leonardo Pinto Silva. Com tiragem limitada, o box inclui entrevistas com Jon Fosse e Georg Friedrich Haas (compositor da ópera), texto crítico de Ligiana Costa e ilustração do artista Fernando Velázquez. “O libreto adquire uma lógica própria, torna-se uma peça literária em si”, garante Fosse, na entrevista.
“Antes de mais nada, publicamos por achar que os títulos e os autores são importantes para o catálogo e para os leitores brasileiros. A literatura sempre vem antes dos prêmios”, destaca o editor Leonardo Silva. “O fato de serem vencedores do Nobel (e concorridos, particularmente no caso do Jon Fosse) mostra que os agentes e o mercado editorial se interessam pelo projeto da Zain”, acredita.
O editor afirma que “Manhã e noite”, um dos livros mais vendidos de Jon Fosse fora do Brasil, “escancara” o diferencial oferecido aos leitores brasileiros. “Nossa edição é a única no mundo que apresenta tanto o romance original quanto o libreto da sua adaptação para ópera. Neste caso, música e literatura se justificam”, afirma Leonardo, já de volta ao bairro Prenzlauer Berg, em Berlim, depois de passar algumas semanas em BH e São Paulo. “Aqui eu vou em tudo: concerto clássico, clube de jazz, techno, casa de ópera”, conta.
Antes do retorno à Alemanha, Leonardo deixou pronto o mais recente lançamento da Zain: “A ideia da música absoluta”, de Carl Dahlhaus (1928-1989). Publicado em 1978 na Alemanha, o livro de um dos musicólogos mais importantes do século 20 permanecia inédito no Brasil e inaugura a coleção Opus, de não ficção.
“É uma obra fundamental que contribui para a discussão sobre a questão estético-musical mais importante do século 19: a autonomia da música – a música absoluta, que basta por si só”, afirma Leonardo Silva. “Editar uma obra como esta é preencher uma lacuna gigantesca no campo da musicologia, estética e filosofia da música; é abrir novos caminhos na esperança de chegar ao leitor especializado, mas também aos interessados em geral no assunto”, acredita o editor, que estuda música clássica desde 2008 e acompanha, desde então, a trajetória da Filarmônica de Minas Gerais.
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Leonardo consegue enxergar semelhanças entre as funções do editor e do diretor artístico e do regente de uma orquestra. “Ambos têm de montar o repertório da temporada com muita antecedência, por exemplo. Mas, assim como uma orquestra não se faz só com um maestro, um livro não se faz só com as duas mãos do editor”, pontua o admirador de Dostoiévski e Stravinski, Sartre e Mahler.
Prêmios NOBEL
Islândia
• “Os peixes também sabem cantar”
• Halldór Laxness
• Tradução de Francesca Cricelli e Luciano Dutra
• “Laxness explora nesta obra como os indivíduos enfrentam adversidades e oportunidades em suas trajetórias. A jornada do personagem principal reflete a busca por um equilíbrio entre passado e futuro, autenticidade e validação externa”, afirmam os tradutores.
• 340 páginas
• R$ 84,90
Noruega
• “Manhã e noite”
• Jon Fosse
• Tradução de Leonardo Pinto Silva
• “Fosse revive arcaísmos, cria expressões, torce e distorce construções sintáticas e gramaticais, ignora solenemente convenções de pontuação e reiventa o texto escrito norteando-se por essa oralidade e assemelhando-se a Guimarães Rosa e José Saramago”, afirma o tradutor.
•152 páginas
• Edição brochura: R$ 69,90.Box com encarte sanfonado: R$ 119,90
“Catálogo robusto de uma editora que veio para ficar”
“Sinal de civilização é quando a economia de um país abre espaço para a circulação de bens simbólicos. No caso, a música. Já temos uma significativa cadeia produtiva nesse setor, como orquestras, salas sinfônicas, comercialização de instrumentos, escolas especializadas etc., que representam, no seu conjunto, postos de trabalho para milhares de profissionais. Leonardo Silva, mineiro e homem do mundo, criador musical premiado, entendeu que faltava algo para arejar e discutir esse quadro favorável. Então teve a ideia de uma editora dedicada à música. Em pouco tempo, a Zain já possui um catálogo robusto e que cresce de maneira exponencial. Tive a honra de inaugurar esse catálogo com a novela ‘Leopold’, cujo tema é o pai de Wolfgang Amadeus Mozart. Ao tratar com Leonardo, já no primeiro minuto tive a certeza de que podia confiar completamente nele; publicar pela Zain foi uma das melhores decisões da minha vida. É uma editora que veio para ficar no quadro da cultura brasileira. E veio de Minas, um estado em que – sempre repito isso – eu gostaria de ter nascido, não fosse eu gaúcho. Vida longa à Zain!”
Luiz Antonio de Assis Brasil, autor de “Leopold”