Primeira leitura

Leia poemas inéditos de Lucas Guimaraens

Versos do poeta mineiro estão em "Outras peles", lançamento da Coleção Círculo de Poemas

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Lucas Guimaraens

“Paraísos ardiam”

Fusca, mobilete nunca havida,
concreto jogado na ferida
anos 80 enfeitiçados de magia
inocência de olhos celestinos e pardos
não sabia negro, indígena, pele invisível
odores de carnes queimadas sentia
trabalhos no sinal de trânsito
crianças como ele — e não sorriam —
tórax aberto, coração pulsante
e da vida era um abismo a gritar
o sexo que queria. Começavam
delírios da noite paraísos ardiam
na quina de uma esquina botinas
skinheads batiam e não sabia
a não ser a pureza dos dias
notava motorista e carro
brilhante como diamante
e seus colegas a carregar
a noite o dia e a vida dos
que não possuem carruagem.

“Estigma”

Avariado ao nascer
formigas reuniam-se
no mijo em torno de mim
açucarado e sinistras madrugadas
adestrado a convivências até não mais
cair o sorriso dos derrotados
entre um lado e outro da coluna
leve tez a contemplar o equilíbrio
do esqueleto e de suas personagens
até a chegada do desastre final onde
somos todos auditório em um monólogo.

Em capítulo jamais escrito
palavras nem lembrança
serão.


“Em preto e branco”

A tevê fala de mundos superpostos
habitar outros planetas
enquanto evaporam a Terra
eu escrevo em preto e branco.

Nas esquinas
nos hospitais
nas ruas
no escuro
banheiros públicos
uma luz parece fender as páginas
em pequenas telas de entregar recados
de lembrar de regar flores
do aniversário do desconhecido
das trovoadas de ideias avariadas
da agenda de submissões a cumprir
da vida alheia misturada
pela mesma teia.
Eu escrevo em preto e branco.
Penso como voltam para casa
ou se a casa os carrega.
Eu sei que estou em casa.
Eternamente.
Escrevo em preto e branco.

“Dos livros e das traças”

No sótão que nunca tive
achava sempre o que não existia
a não ser livros de códigos perfeitos: palavras
quando procurava poeiras e desilusões.

Ao mudar de casa não mudei de vida
senão a biblioteca empilhada
sem arrumação e sem futuro
já terei partido é tarde
o que cai ao chão
não são livros
são órgãos não mais ativos
dores e falta de absinto
companhia diversão.

Exceção são livros
no buraco do chão
cujas pernas são curtas
e não pulam em minhas mãos.

À maneira dos membros
que não funcionam
sorrio para livros — solidários —
que serão rangidos pelas traças.

O que fica são palavras
arquitetura de forma de vida
do silêncio que não era mudez
da interdição das ricas vidas miúdas
estética de miopia
a sonhar com a visão.


SOBRE o AUTOR
Lucas Guimaraens nasceu em Belo Horizonte em 1979. É bacharel em direito e doutor em filosofia pela Universidade Paris 8. Foi superintendente de Bibliotecas Públicas de Minas Gerais e do Suplemento Literário de Minas Gerais. Tem diversas obras publicadas no Brasil e na França como poeta, ensaísta e tradutor. Entre seus livros de poemas, destacam-se “Exílio: o lago das incertezas” (Relicário, 2018) e “Amarrar o corpo na lua” (7Letras, 2022).

Reprodução


“Outras peles”
• Lucas Guimaraens
• Círculo de Poemas
• 40 páginas
• R$ 47,90 (e-book R$ 33,50)
• Nas livrarias a partir de 01/08.

Tópicos relacionados:

ferida livro vida

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