A jovem escritora que encantou o poeta modernista e aceitou traições
Oswald de Andrade mantinha um casamento luxuoso com a pintora Tarsila do Amaral quando conheceu Pagu. Casou-se com ela, mas não abriu mão das amantes
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Siga noTarsila do Amaral vivia em Paris e retornou ao Brasil em 1922. “Uma das criaturas mais belas, mais harmoniosas e mais elegantes que fora dado ver (…) linda mulher, elegantíssima em sua toilette parisiense, olhos serenos e negros, fala musical e tranquila”, definiu o poeta Menotti del Picchia a Oswald.
Oswaldo, claro, quis conhecê-la imediatamente. Aos 36 anos, descendente de prósperos agricultores, conta Lira Neto na biografia, Tarsila ainda era resistente ao “cubismo exagerado” e ao “futurismo”, mas se rendeu a Oswald. “Com sua absorvente capacidade de sedução, envolveu a artista numa atmosfera de exaltação passional, chegando a tornar-se impertinente”, informa Lira Neto.
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O romance intenso de Oswald e Tarsila se estendeu para Paris, onde moraram, com Oswaldo sempre esbanjando a herança do pai. O casamento durou até o surgimento de Patrícia Galvão, a Pagu, furacão na vida de Oswald, enquanto o modernismo avançava sob polêmica, com “Pauliceia desvairada”, de Mário de Andrade, que Monteiro Lobato se recusou a publicar.
Pagu era uma colegial de 18 anos que foi levada pelo poeta Raul Bopp para frequentar a mansão de Tarsila e Oswald. Já tina passado por aborto e desilusão amorosa. Era mais uma jovem com ar adolescente para deslumbrar Oswald, porque escrevia e desenhava.
Tornou-se íntima de Tarsila, mas mais íntima ainda de Oswald. Descoberta a traição, Tarsila os abominou. O romance e o casamento foram inevitáveis. Com Pagu, Oswald teve o filho Rudá de Andrade. Mesmo casado de novo, Oswald seguiu tendo amantes e contando a Pagu suas aventuras extraconjugais. Ela sofria, mas se resignava e aceitava. Lira Neto conta que Oswald chegou a propor a Pagu: “Você quer gozar com o empregadinho que traz café?”.
“Oswald de Andrade era movido pela força vital do sexo. Tinha uma vida sexual muito ativa e o erotismo, a sexualidade, estão presentes na sua obra o tempo todo. Toda a obra dele, de certa forma, é o que chamamos hoje de autoficção. A partir da experiência pessoal, ele escrevia literatura. E aí, o grande desafio do biógrafo é saber o que é biográfico e o que é ficcional”, disse Lira Neto em entrevista à jornalista Mariana Peixoto, do Estado de Minas.
Comunista
Por essa época, Oswald se tornou comunista, um ativismo ideológico que até então nunca tinha praticado. Ele e Pagu se envolveram em confusões, foram presos várias vezes. Viraram foragidos da polícia política de Getúlio Vargas. Oswald também fugia de credores, porque dilapidava a fortuna do pai, comprometida pelas crises econômicas mundiais após a quebra da Bolsa de Nova York.
Oswald lançou outro livro polêmico, “Serafim Ponte Grande”, marco do modernismo com a história de um funcionário público diferente, mais uma obra de experimentalismo. Enquanto isso, o casamento com Pagu desandava. Ela foi viver em Moscou e Oswald começou um romance com a pianista “desbocada” Pilar Ferreira. Ainda casado no cartório com Tarsila e na igreja com Pagu, ele foi morar com Pilar.
Endividado, viu sua saúde se agravar por obesidade e diabetes. Entre muitas brigas com Pilar, e conheceu sua nova esposa. Depois de Kamiá, Daisy, Tarsila, Pagu e Pilar, ele se apaixonou pela professora Julieta Guerrini. E lançou a peça “O rei da vela”, amplamente rejeitada.
A primeira fase do modernismo entrava em declínio e foi considerada ultrapassada na década de 1930, com o surgimento dos romances sociais, como “O quinze”, de Rachel de Queiróz, e “Vidas secas”, de Graciliano Ramos. Oswald ainda consumou o sétimo casamento, agora com a sua secretária, Maria Antonieta, a contragosto dos pais dela, com quem gerou o seu quarto e último filho, Paulo Marcos.
Aos 64 anos, com a saúde decadente e atolado em dívidas, inclusive com agiotas, cada vez mais sozinho por causa dos constantes ataques aos amigos, Oswald teve a compreensão final apenas do crítico Antonio Candido, que fez diagnóstico contundente: “O seu sarcasmo desmanchava de um lado o que o seu enorme encanto pessoal tinha construído do outro”. Oswald ainda teve tempo de lançar o livro autobiográfico, “Um homem sem profissão”.
Pagu: “Uma noiva capaz de aceitar a liberdade sexual”
A seguir, trecho da carta de Patrícia Galvão, a Pagu, que foi casada com Oswald de Andrade, ao marido Geraldo Ferraz, intitulada “Autobiografia precoce”, em 1940, e incluída no livro “Meu corpo quer extensão (uma antologia 1929-1948)”, organizado por Gênese Andrade (Companhia das Letras – 2023).
“Depois de possuir-me, Oswald me trouxe para São Paulo. (…) Não era a primeira vez que Oswald tinha meu corpo. Essa entrega tinha sido feita muito antes, num dia imbecil, muito sem importância, sem o menor prazer ou emoção. Eu não amava Oswald. Só afinidades destrutivas nos ligavam.
Na véspera do nosso casamento, fui à Penha, encontrar Oswald no Terminus. (…) Havia em mim uma criança se formando (…) Cheguei ao quarto de Oswald. Não havia ninguém. Um criado do hotel me indicou outro quarto. Bati. Oswald estava com uma mulher. Mandou-me entrar. Apresentou-me a ela como sua noiva. Falou do nosso casamento no dia imediato. Uma noiva moderna e liberal capaz de compreender e aceitar a liberdade sexual. Eu aceitei, mas não compreendi. Compreendia a poligamia como consequência da família criada e bases de moral reacionária e de preconceitos sociais. Mas não interferência numa união livre, a par com uma exaltação espontânea que eu pretendia absorvente. Mas fingi compreender.
(…) Depois vieram outros casos. Oswald continuava relatando sempre. Muitas vezes fui obrigada a auxiliá-lo, para evitar complicações até com a polícia de costumes. O meu sofrimento mantinha a parte principal da nossa aliança. Oswald não era essencialmente sexual, mas, perseguido pelo esnobismo casanovista, necessitava encher quantativamente o cadastro de conquistas. Eu aceitava, sem uma única queixa, a situação.
E meu filho nasceu. E Oswald não me amava.”