O que o Brasil pode aprender com o varejo chinês
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Alexsandro Monteiro
Diretor-executivo de Varejo da FCamara
Visitar a China é sempre uma experiência marcada por contrastes. Logo na primeira viagem, a impressão mais forte é a convivência entre a sofisticação das grandes metrópoles e as desigualdades ainda presentes no interior. Em uma visita mais recente, porém, já foi possível constatar um mercado que avança em velocidade e escala, impulsionado pela digitalização e organização produtiva, mas que também enfrenta desafios sociais e regionais. Hoje, ao reavaliar dados e mudanças recentes, essas observações se transformam em lições práticas para economias emergentes como a brasileira.
Esse ambiente estruturado impacta diretamente produção e consumo, sustentado por alavancas como escala, digitalização e flexibilidade operacional. No Brasil, onde gargalos logísticos continuam a representar obstáculos cotidianos, o exemplo chinês mostra como o planejamento urbano e produtivo integrado fortalece todo o ecossistema econômico.
Mesmo em meio a crises recentes, o consumo chinês mantém sinais de otimismo. De acordo com o National Bureau of Statistics of China, as vendas no setor chegaram a US$ 3,4 trilhões no primeiro semestre de 2025 – crescimento de 4,8% frente ao mesmo período do ano anterior. Essa recuperação consistente, após a retração de 4,4% em 2022, demonstra a capacidade do país de reacelerar a partir de uma base sólida. Embora o Índice de Confiança do Consumidor esteja em 87,9 pontos – abaixo do pico histórico de 121,5 –, a combinação de escala, ecossistemas digitais e flexibilidade tem viabilizado o avanço. No Brasil, dificilmente se vê uma retomada tão ágil depois de períodos de retração econômica.
Dentro de um olhar temporal que une experiências iniciais e o cenário atual, é possível entender como a China consolidou ecossistemas que vão muito além do simples estoque. Plataformas integradas dão suporte a operações em grande escala, conectando produção, distribuição e consumo. A produção é transparente e modular, permitindo que cada escolha do comprador influencie diretamente preço e durabilidade.
Ao mesmo tempo, há uma coexistência tecnológica singular: fábricas altamente automatizadas convivem com linhas manuais de diferentes portes e níveis de maturidade. No entanto, todas operam de forma interligada e em busca de escala. O governo, por sua vez, apoia essa engrenagem com incentivos, planejamento de interfábricas e logística integrada – sempre com o mindset voltado para altos volumes e eficiência transversal.
O Alibaba é o exemplo mais emblemático dessa transformação. Criado em 1999 como um marketplace B2B, o grupo não só eliminou intermediários tradicionais, como se tornou um ecossistema de serviços end-to-end que abrange logística, financiamento, análise de dados de consumo e soluções de pós-venda. Esse arranjo reduz atritos para quem vende e amplia possibilidades para quem compra, consolidando um modelo de referência global. O Brasil, apesar dos progressos no e-commerce, ainda precisa vencer a hesitação em adotar plataformas integradas que ofereçam soluções completas e escaláveis.
Outro ponto crucial é a forma como as pessoas são incorporadas ao planejamento dos clusters industriais. Muitas regiões concentram fábricas fora dos grandes centros, entretanto, garantem moradias subsidiadas, escolas, transporte organizado e infraestrutura básica para trabalhadores e famílias. Essa proximidade, que pode soar como isolamento, gera, na verdade, eficiência e diminui custos de deslocamento, criando ecossistemas sociais e produtivos interligados.
No Brasil, temos exemplos pontuais de infraestrutura de ponta, como o maior porto logístico da América Latina no Nordeste, operado pela Vale e considerado o maior do mundo de uma única empresa, mas ainda sem integração suficiente com o entorno para gerar novos polos econômicos.
Pensando na evolução já consolidada na China, algumas lições podem inspirar o Brasil, como fomentar clusters logísticos regionais, investir em plataformas de economia como serviço, ampliar a transparência e customização industrial de forma integrada, e alinhar automação com trabalho qualificado. A China nunca descartou a mão de obra, contudo, a incorporou em escala, sempre pensando em eficiência e adaptação. No caso brasileiro, somados aos gargalos logísticos, os desafios tributários dificultam a adoção desse modelo híbrido.
A grande lição aprendida é que a competitividade chinesa não nasce apenas da escala, e sim principalmente da capacidade de adequação rápida às demandas globais. Mesmo em um ambiente político centralizado, o país transformou sua estrutura em uma plataforma de relevância mundial no varejo.
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O Brasil, com sua diversidade cultural e seu potencial de consumo, pode extrair aprendizados valiosos desse modelo, com o desafio de adaptar – e não simplesmente copiar – essas práticas visando construir um varejo eficiente, inovador e conectado ao mercado internacional.