A naturalização do toma lá dá cá
Se as emendas ganham mais transparência, deputados e senadores passam a ser mais dependentes da boa vontade presidencial
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O ano de 2025 no campo da política é marcado, sobretudo, por muita discordância entre os Poderes. Enquanto Executivo e Judiciário, por conveniência, convergem para um mesmo caminho no plano federal – principalmente na condenação do núcleo duro da trama golpista e daqueles que diretamente participaram do 8 de janeiro –, o Legislativo está no centro das divergências com os demais braços da democracia. De um lado, a fatia majoritariamente conservadora da Câmara trabalha contra a gestão de Lula (PT). De outro, o Senado se sente “traído” pelo governo e pelo STF, diante da não indicação do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Corte e por conta das frequentes intervenções do Supremo em assuntos tratados pela Casa, respectivamente.
Em meio a tudo isso, a cobertura midiática em Brasília, frequentemente, noticia o que representantes do Legislativo procuram para aprovar um determinado projeto do governo. “Fulano exige liberação de certa emenda parlamentar”, enquanto “Beltrano cobra tal indicação”.
Se o jornalismo cumpre o seu papel de veicular aquilo que, de fato, ocorre nos bastidores, o noticiário deixa claro que o toma lá dá cá deixou de ser uma prática negociada nos gabinetes para se tornar a própria natureza do funcionamento institucional da política brasileira. Não há mais receio em admitir que determinada ação depende diretamente da obtenção de algum benefício direto ou indireto. Deixou de ser articulação para se tornar metodologia.
Indicado pelo governo para ministro do STF, Flávio Dino assumiu a toga com um compromisso claríssimo como prioridade: dar mais transparência e mudar o funcionamento das emendas parlamentares. É nobre a ação do ex-governador do Maranhão, até porque o mecanismo foi bastante extrapolado desde a gestão do ex-deputado federal Eduardo Cunha na Câmara, como é de conhecimento público.
No entanto, parte da articulação do governo contra as emendas impositivas (de execução obrigatória), sobretudo as ditas emendas Pix (transferências diretas dos gabinetes para as prefeituras), se volta ao toma lá dá cá. Ou seja: o governo defende a ampliação de sua “munição” para ter mais poder na negociação com o Congresso.
Em suma: se as emendas ganham mais transparência, diminuindo o tamanho do tapete vermelho estendido para o Congresso manobrar o Orçamento, deputados e senadores passam a ser mais dependentes da boa vontade presidencial. Isso equilibra mais o jogo da articulação política.
No entanto, o toma lá dá cá naturalizado fragiliza a democracia. Quando eleitos, Legislativo e Executivo têm como missão a defesa da Constituição e o trabalho em prol de uma vida melhor para brasileiros e brasileiras. Porém, o que menos se discute é a validade ou não de políticas públicas, dentro da ideologia de cada um.
O ano de 2025 mostrou que não se trata de discutir o que é certo ou errado no campo da democracia, mas de barganha por poder e dinheiro, sobretudo do lado legislativo da balança política. Esses movimentos escancaram uma profunda crise institucional no Brasil.
Se uma mudança parece bastante improvável para 2026, ela precisa começar em 2027, quando novos congressistas assumem suas cadeiras. Cabe ao eleitor analisar o passado de cada candidato e optar por boas escolhas em outubro próximo. É preciso olhar para quem promove um projeto político, não um projeto de poder e/ou de ascensão econômica.