O alerta da Terra do Meio
Enquanto o Brasil oficial promove reuniões de cúpula como a Rio+20 e a COP30, o Brasil real avança sobre reservas indígenas
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Em dezembro de 1861, o imortal Machado de Assis formulou um dos pensamentos mais conhecidos sobre o Brasil. Em crônica publicada na imprensa carioca, o Bruxo do Cosme Velho distinguia: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”. Era a constatação do contraste reinante em uma nação onde os poderosos decidem os rumos do país em um debate medíocre, enquanto a massa de brasileiros busca tão somente uma sobrevivência digna.
Enquanto o Brasil oficial promove reuniões de cúpula como a Rio+20 e a COP30, o Brasil real avança sobre reservas indígenas, aniquila a subsistência de etnias, dificulta a subsistência da população ribeirinha e põe em xeque o papel do Ministério dos Povos Indígenas e da Funai.
A Terra do Meio, no sudoeste do Pará, é exemplo de região que se tornaria um projeto sustentável para preservar 11 unidades de conservação e 15 Terras Indígenas (TI), em uma área maior do que o estado do Paraná. O caso registra de forma crua como as melhores intenções firmadas por meio de acordos em gabinetes se reduzem a pó quando falta a execução de políticas públicas. Atualmente é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas enfrenta uma infinidade de problemas.
O acordo entre Brasil e União Europeia foi formalizado em 2012, com a liberação de 10,7 milhões de euros. Mas a iniciativa jamais saiu do papel. Testemunha da assinatura dos termos que serviriam de lastro para o projeto ambiental da Terra do Meio, a repórter Cristina Ávila, do Correio Braziliense, retornou à imensidão amazônica paraense em cinco ocasiões, entre 2022 e 2025. Em duas dessas viagens, de forma totalmente independente, dirigiu seu Fiat Uno, batizado de “Niño”. Na bagagem, alguns mantimentos e equipamentos básicos. No espírito, a determinação de retratar a urgência de impedir a destruição em curso na Amazônia.
Prevista para se tornar um projeto ambiental bem-sucedido, a Terra do Meio tornou-se uma mostra das mazelas acumuladas na Amazônia. Cristina Ávila confirmou o avanço de invasores em Terras Indígenas, as constantes violências sofridas pelo povo Arara, o aumento do desmatamento na reserva Cachoeira Seca, as condições extremas enfrentadas pelos ribeirinhos. "A gente pisa em terra rica e está na extrema pobreza. Aqui ninguém tem a dignidade de um banheiro e nem água potável pra beber", relata Chiquinha Lima, 43 anos, nascida e criada na Estação Ecológica da Terra do Meio.
Esse Brasil real, violento e destrutivo precisa ser contido pelas autoridades que têm compromisso com uma Amazônia próspera e sustentável. A 15 dias da COP30, o Brasil oficial precisa convencer o mundo da urgência de se tomarem medidas para interromper o câncer que avança na Amazônia por meio do crime organizado, do garimpo ilegal, da perpetuação da pobreza e da violência contra os povos indígenas. A Cúpula de Belém é uma oportunidade excepcional de dar mais visibilidade internacional às ações emergenciais que precisam ser tomadas na maior floresta tropical do mundo. Mas, como mostra a série de reportagens sobre a Terra do Meio, o Brasil também precisa implementar políticas públicas que atendam, principalmente, aqueles que não têm força política em Brasília e estão sob o jugo de lobby de poderosos ou da ação bruta do crime.