ARTIGO

Obesidade no Brasil: uma crise coletiva urgente

Responsabilizar apenas o indivíduo é uma forma de encobrir a negligência do Estado, a omissão da indústria e a desigualdade no acesso à alimentação de qualidade

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ANA LUIZA PELLEGRINELLI
Nutricionista, mestre e professora


A obesidade no Brasil deixou de ser um alerta e se tornou uma urgência nacional. Um a cada três brasileiros vive com o problema, e essa porcentagem tende a crescer nos próximos cinco anos, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025, da Federação Mundial da Obesidade. O documento projeta que, até 2030, o número de homens obesos pode aumentar 33,4% e entre as mulheres esse crescimento pode chegar a 46,2%. Ignorar esses índices é aceitar o avanço de uma epidemia silenciosa com efeitos devastadores sobre a saúde pública.

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O impacto sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), por sinal, é direto e crescente. A obesidade está associada a doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como diabetes tipo 2, hipertensão e problemas cardiovasculares – todas exigem acompanhamento prolongado, medicação constante e, em muitos casos, internações e procedimentos de alto custo. Ou seja: o avanço da obesidade pressiona o orçamento, sobrecarrega serviços e compromete a qualidade do atendimento.

Mas como chegamos até aqui? As causas são conhecidas e, em grande parte, evitáveis. Nas últimas décadas, o padrão alimentar da população brasileira sofreu uma transformação profunda. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) mostra queda no consumo de alimentos in natura ou minimamente processados – como arroz, feijão, frutas e verduras – e um aumento expressivo na ingestão de ultraprocessados: refrigerantes, embutidos, salgadinhos, biscoitos recheados e produtos prontos para consumo. Embora acessíveis e amplamente disponíveis, eles têm alta densidade calórica, baixo valor nutricional e forte associação ao ganho de peso e ao adoecimento.

A indústria alimentícia, inclusive, tem papel central nesse processo. A produção em massa de ultraprocessados duráveis e lucrativos, somada ao marketing agressivo – especialmente voltado para crianças e jovens – cria um ambiente obesogênico, que estimula escolhas prejudiciais à saúde. Mesmo com avanços como a rotulagem nutricional frontal, a autorregulação do setor é frágil e a resistência a medidas mais rígidas ainda é intensa.

Outro fator crítico é o acesso limitado a alimentos saudáveis. Ainda falta política pública efetiva que garanta preço justo, distribuição adequada e incentivo ao consumo de ingredientes naturais. Soma-se a isso a cultura da praticidade – reforçada pela rotina acelerada – e a desinformação sobre hábitos alimentares, que afastam a população do que é nutritivo e possível na vida real.

Para enfrentar a obesidade com seriedade, o poder público precisa agir em múltiplas frentes: fortalecer políticas de segurança alimentar e nutricional, reduzir o custo de alimentos saudáveis, regular com firmeza a publicidade e a tributação de ultraprocessados, estruturar a Atenção Primária à Saúde (APS) para prevenção e tratamento, ampliar ações educativas baseadas nos Guias Alimentares do Ministério da Saúde e investir em infraestrutura urbana e escolar que favoreça a atividade física.

É fundamental reconhecer que a obesidade não é uma falha individual, e sim um problema coletivo, social e estrutural. Responsabilizar apenas o indivíduo é uma forma de encobrir a negligência do Estado, a omissão da indústria e a desigualdade no acesso à alimentação de qualidade. Mais do que apontar culpados, é hora de assumir compromissos. Governo, sociedade civil, escolas e setor produtivo precisam atuar juntos para garantir saúde e dignidade alimentar a todos os brasileiros. Alimentação saudável, diga-se de passagem, é um direito básico – e negá-lo significa perpetuar a doença.

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