A Palestina como Estado: significado e implicações para a ordem mundial
Quase 75% dos países da ONU já reconhecem a Palestina como um Estado
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Siga noNo último domingo, 21 de setembro, Reino Unido, Canadá e Austrália reconheceram a Palestina como Estado e, no dia 22, a França também o fez – algo já feito por mais de 140 países, desde 1988 até hoje. O que isso significa? Como avaliar as implicações desse ato de reconhecimento à luz do cenário internacional contemporâneo, seja pela guerra entre Israel e Hamas, seja pela posição dos EUA no mundo, seja pelos limites enfrentados pela ONU?
O governo britânico havia se posicionado que reconheceria Palestina como Estado caso Israel não favorecesse negociações de paz e não cessasse a ação militar na Faixa de Gaza dadas as violações de direitos humanos como, por exemplo, a dificuldade de manutenção de ajuda humanitária na região.
O governo britânico considera que sua decisão não se refere ao Hamas, que continua sendo considerado como grupo terrorista e que deve liberar os reféns israelenses. Contudo, há de se analisar a ação do reconhecimento da Palestina como Estado a partir de suas implicações e não somente as suas causas.
Em que pese um aspecto das causas vinculadas ao governo britânico para o reconhecimento do Estado palestino – sua inevitável mea culpa dado o antigo Mandato Britânico da Palestina – há outro a saber: a pressão sobre o governo de Israel para negociações de paz e fim da guerra atual no Oriente Médio diante dos horrores produzidos contra a população civil na Faixa de Gaza.
Ainda sobre as causas, se a defesa da “solução de dois Estados” é causa importante, a oportunidade britânica de assim proclamá-la – e reconhecer o Estado palestino – poderia ter sido garantida há bastante tempo e não apenas agora, uma vez que os demais países vêm reconhecendo a Palestina como Estado desde 1988 (Brasil o fez em 2011).
A oportunidade britânica de reconhecimento do Estado palestino parece muito feliz, apesar, talvez, um tanto inócua: e daí reconhecer o Estado palestino? Moralmente, constitui ato de (eventual) “reparação histórica”. Politicamente, o reconhecimento britânico do Estado palestino defende a necessária proteção de direitos humanos e serve como pressão a Israel, o que provoca aumento do seu isolamento político.
Ainda, em termos políticos, a posição britânica projeta, igualmente, pressão sobre os EUA na defesa da solução dos dois Estados, sem que caiba ao Reino Unido definição da questão. Vale lembrar que o reconhecimento de um novo Estado como componente das Nações Unidas depende do encaminhamento por parte do Conselho de Segurança da ONU à Assembleia Geral para votação.
Hoje, dos cinco Estados que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, China, Rússia, Reino Unido e França reconhecem Palestina como Estado, mas os EUA não reconhecem. Sem o voto afirmativo de nove países dos 15 do Conselho de Segurança, incluindo os cinco membros permanentes citados, não há reconhecimento na ONU do Estado palestino. O reconhecimento passa a ser bilateral – país a país, como tem sido.
As ações de reconhecimento do Estado palestino em função do exercício de pressão sobre Israel – em que pese a seriedade dos argumentos em defesa inquestionável de direitos humanos, especialmente, da população civil na Faixa de Gaza – correm risco de produzir efeito indesejado.
Assim, oportunizar que ações ilegítimas e ilegais (ataque terrorista do Hamas a Israel) respondidas por outras ações igualmente ilegítimas e ilegais, a partir de certo ponto (violação de direitos humanos na ofensiva israelense contra o Hamas) justifiquem, legitimem e legalizem ações inaceitáveis e que demandas justas sejam satisfeitas por procedimentos injustos.
Mas, importa pensar nas implicações para a ordem internacional: o que se produz como normatividade, como legitimidade para as relações internacionais quando da validação dos atos injustos? Não se discute aqui o reconhecimento do Estado palestino enquanto tal, mas o momento e ao argumento de se fazê-lo, agora. Quase 75% dos países da ONU já reconhecem a Palestina como um Estado. Não se trata disso. Trata-se do momento e do que se pode trazer como implicação de prática internacional.
Em que caiba a percepção crítica e necessária da violação de direitos humanos que se passa na Faixa de Gaza, não é possível corrigir um erro gerando incentivos contra a ordem internacional. Novamente, se vários são os países que reconhecem o Estado palestino desde 1988, fazê-lo agora pode constituir movimento um tanto incauto porque pode confundir reação aos excessos israelenses (no direito na guerra e não do direito da guerra) e busca pela solução pacífica do conflito com validação daqueles excessos cometidos pelo Hamas, que vê sua causa sendo validada por ações que não deveriam ser igualmente validadas.
A posição que se apresenta moralmente confortável e politicamente correta do reconhecimento do Estado palestino deveria ser contraposta a outros recursos que a comunidade internacional pudesse vislumbrar para produzir conciliação e paz no conflito que se segue no Oriente Médio.
LEO BRAGA
Professor de relações internacionais