Doação de órgãos e as filas de espera
As desigualdades regionais são gritantes – poucos centros urbanos com grande capacidade e estados com baixa oferta por habitante
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Siga noO Brasil tem um dos sistemas públicos de transplantes mais complexos e completos do mundo: realiza procedimentos em rede nacional, hospeda centros de excelência e já conquistou números importantes. Ainda assim, o país convive com longas filas, desigualdades regionais e gargalos que impedem que o potencial de doação seja plenamente convertido em vidas salvas. Amanhã, no Dia Nacional de Doação de Órgãos, vale a reflexão.
A boa notícia é que em 2024 o Brasil bateu recorde nos transplantes realizados – mais de 30 mil procedimentos – e anunciou programas para modernizar o sistema. Mas a demanda permanece alta: cerca de 78 mil pessoas estavam em lista de espera no ano passado, com destaque para rim (aproximadamente 42,8 mil), córnea (32,3 mil) e fígado (2,4 mil). Em termos de doadores efetivos, o país superou a marca de 4 mil em 2024. Quando as entrevistas de acolhimento foram realizadas, cerca de 55% das famílias autorizaram a doação naquele ano — indicador que mostra ganho, mas também o peso da recusa familiar.
A espera por um rim concentra a maior fila numérica, refletindo a alta prevalência de insuficiência renal crônica e a dependência de terapia de substituição renal enquanto o transplante não ocorre. As estatísticas oficiais e o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) são a base desses números.
Na Câmara dos Deputados, propostas mais recentes, como o PL 4679/2025, visam alterar a Lei nº 9.434/1997para tornar presumida a autorização de doação post mortem, salvo manifestação contrária em vida. É o grande debate ético-jurídico: um potencial aumento de doadores versus riscos de fragilizar a confiança pública se implementado sem ampla conscientização e salvaguardas.
A doação de órgãos no Brasil ainda é um tabu. São vários os gargalos. Um deles é a recusa familiar. Mesmo com autorizações em aumento, a não concordância da família em doar órgãos do ente querido continua limitando a efetividade dos transplantes.
Além disso, a subnotificação de potenciais doadores e as falhas na identificação precoce de morte encefálica reduzem o número de órgãos disponíveis. Sem falar no transporte de órgãos, na manutenção de equipes de captação, nas UTIs e salas cirúrgicas disponíveis, todos esses fatores limitantes, especialmente em estados do Norte e Nordeste.
As desigualdades regionais são gritantes – poucos centros urbanos com grande capacidade (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília) e estados com baixa oferta por habitante. Isso cria filas desiguais e deslocamentos complexos para pacientes.
Falta também um incentivo à doação viva, ou seja, transplantes de doadores vivos, que em alguns casos reduzem as filas, como de rins. O doador precisa ter segurança jurídica e emocional; sem esse apoio, a doação viva fica subutilizada.
Enfim, o acolhimento sensível e a capacitação dos profissionais que entrevistam as famílias são determinantes. A janela de viabilidade dos órgãos exige coordenação rápida e custo operacional elevado. Infelizmente, ainda são muitos os problemas a serem sanados. Para quem espera, cada dia é um risco de morte ou piora irreversível.