editorial

Associar analgésico ao autismo é desserviço à saúde pública

Trump impulsiona um movimento que há quase 30 anos dificulta o enfrentamento ao transtorno e presta um desserviço ao bem-estar coletivo

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Prometendo a repórteres que faria um anúncio “incrível” na área da saúde, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou, nesta segunda-feira, que a ingestão de paracetamol durante a gravidez causa autismo. Sem apresentar dados científicos que comprovem o fenômeno de causalidade – até porque não existem –, o líder republicano impulsiona um movimento que há quase 30 anos dificulta o enfrentamento ao transtorno e presta um desserviço ao bem-estar coletivo. Merece, portanto, a reação enfática de quem, de fato, entende do assunto, como aconteceu logo após a declaração irresponsável.


Trump apresentou dados sobre o aumento expressivo de pessoas com o transtorno do espectro autista (TEA), nas duas últimas décadas, nos Estados Unidos para embasar a afirmação polêmica. Não há dúvidas de que há mais casos oficializados lá e em outros países, incluindo o Brasil. Mas esse novo recorte não se trata de uma “epidemia”, como define o republicano. Tem ocorrido, principalmente, por mudanças nos protocolos de diagnóstico que consolidaram o entendimento de que a condição tem origem multifatorial, como enfatizou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em resposta ao chefe da Casa Branca.


Essa nova forma de compreender o autismo, aliás, tem como contribuição o esforço de cientistas que se debruçam sobre o transtorno há décadas. E os resultados de pesquisas consolidadas – que seguem padrões de validade, como a checagem por pares – descartam a relação de causalidade tanto por paracetamol quanto por vacinas. No caso do medicamento, há, é preciso reconhecer, estudos sugerindo uma associação estatística entre a ingestão e o risco aumentado de TEA, mas pequena. Pesquisa feita a partir de dados de 2,48 milhões de crianças na Suécia mostra uma diferença absoluta de risco de 0,09% para autismo em crianças expostas e não expostas à substância ainda no útero materno. O resultado do estudo foi publicado em 2024, na renomada revista científica Jama.


Dessa forma, é absurdo orientar a suspensão do uso do paracetamol como forma de prevenção do TEA, como Trump promete fazer. Diante da ideia, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido tratou de ressaltar que a substância é a "primeira escolha" para gestantes, que precisam ser orientadas por especialistas para a ingestão de qualquer medicamento. Lançar dúvidas sobre analgésicos só leva a práticas que comprometem o bem-estar de grávidas, com desdobramentos para essas mulheres e para os bebês que podem ultrapassar o período da gestação. Basta lembrar da associação, essa cientificamente comprovada, entre dor e sofrimento psíquico.


Trump parece não se preocupar com a saúde pública. Avança em sentido contrário, acompanhado do seu secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., um conhecido disseminador de informações negacionistas, incluindo as que associam o autismo à vacinação. Não à toa, a declaração desta segunda foi acompanhada pela defesa por mudanças no calendário de imunização infantil. Isso em um momento em que os Estados Unidos enfrentam a volta de doenças conhecidamente evitadas por vacinas, como o sarampo. Desacreditar a ciência é um mergulho fatal no obscurantismo, como mostrou a pandemia da Covid-19. Líderes sensatos reconhecem, e ecoam, a lição duramente aprendida.

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