De janeiro a janeiro: cuidar é preciso
Falar sobre prevenção ao suicídio é falar de humanidade. É reconhecer que todos, em algum momento, precisamos de apoio
compartilhe
Siga noSetembro está vestido de amarelo. As ruas, os prédios e as redes sociais se iluminam com campanhas de prevenção ao suicídio. É um convite à reflexão: falar sobre saúde mental importa, acolher importa, viver importa. Mas, quando o mês termina e o calendário vira a página, será que o cuidado também se apaga?
A vida não cabe em doze folhas de calendário. O sofrimento não escolhe estação e a escuta não pode ser marcada apenas para setembro. O cuidado precisa atravessar o ano inteiro, de janeiro a janeiro. Aliás, não é por acaso que o ano já começa com o Janeiro Branco, dedicado à saúde mental. Ele nos lembra que, junto com as resoluções de ano novo, precisamos traçar também planos de cuidado consigo e com os outros.
Outros meses também trazem agendas importantes: fevereiro com seu carnaval de cores, lembrando que alegria é direito, mas não pode ser usada como máscara para o sofrimento; março com o Dia Internacional da Mulher, lembrando que saúde mental também envolve igualdade e respeito; abril com a conscientização sobre o autismo; maio com a luta antimanicomial, que afirma que ninguém deve ser reduzido ao estigma da sua dor. O calendário nos guia, mas não deve nos limitar.
Falar sobre prevenção ao suicídio é falar de humanidade. É reconhecer que todos, em algum momento, precisamos de apoio: seja um ombro amigo, uma conversa atenciosa, um tratamento especializado. É lembrar que pedir ajuda não é fraqueza, é coragem. E que oferecer ajuda não exige títulos, apenas disponibilidade e empatia.
A psicologia positiva nos convida a ampliar esse olhar. Não se trata apenas de reduzir sofrimentos, mas também de fortalecer recursos internos e coletivos. Cultivar vínculos, valorizar nossas forças pessoais, resgatar o sentido da vida em pequenos gestos cotidianos. Estudos mostram que sentimentos como esperança, gratidão e propósito funcionam como verdadeiros fatores de proteção para a saúde mental. Ou seja, falar de prevenção ao suicídio é também falar de florescer humano, de caminhos possíveis para além da dor.
Não é sobre negar o sofrimento, mas sobre não permitir que ele seja o único horizonte. Resiliência, palavra tão presente em nossos tempos, significa exatamente isso: a capacidade de seguir em frente mesmo diante das adversidades, transformando feridas em aprendizado, perdas em significados, crises em recomeços.
Nesse sentido, campanhas como o Setembro Amarelo não podem ser vistas como uma ação isolada, mas como um lembrete coletivo de que a vida merece cuidado constante. Não basta apenas prevenir, é preciso promover bem-estar, incentivar relações saudáveis, estimular o otimismo realista e alimentar sonhos possíveis.
O suicídio é um tema sério e não cabe simplificações. Mas, se há algo que podemos aprender, é que pequenas atitudes salvam. Um telefonema inesperado, uma visita, um “como você está de verdade?” podem abrir frestas de luz em dias escuros. Ações simples, repetidas ao longo do tempo, podem transformar histórias.
Setembro nos lembra que viver vale a pena. Mas é de janeiro a janeiro que precisamos sustentar esse lembrete. Porque a vida não se apaga quando acaba o mês – e a nossa responsabilidade de cuidar, também não. Que o amarelo de setembro seja apenas o ponto de partida para um arco-íris inteiro de cuidado, esperança e amor, que nos acompanhe durante todo o ano.
WELDER RODRIGO VICENTE
Professor de psicologia e supervisor do núcleo de apoio psicopedagógico e inclusão da Faseh