editorial

Disputa entre Executivo e Legislativo

A polarização em Brasília não se resume a divergências programáticas entre governo e oposição. Trata-se de um conflito de natureza institucional

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Os fatos mais recentes na política brasileira vêm carregados de apreensões. O impasse em torno do ajuste fiscal, cujo último lance foi a derrubada do aumento do IOF pelo Congresso, mergulhou a relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com a Câmara e o Senado em uma espiral de estresse que nos traz maus agouros. O país claudica em relação ao equilíbrio fiscal porque o Executivo não quer cortar gastos e o Congresso não aceita aumento de impostos. A conta não fecha.


A derrubada do decreto que aumentava o IOF também tem outras variáveis: lobbies poderosos de empresas e setores econômicos beneficiados por isenções e benefícios tributários, um embate surdo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino em razão da falta de transferência de emendas parlamentares impositivas, e, como era de se esperar, um embate entre Lula e a oposição, que serve de objeto de barganha para o chamado Centrão e antecipa a disputa eleitoral de 2026.


Essa polarização em Brasília não se resume a divergências programáticas entre governo e oposição. Trata-se de um conflito de natureza institucional entre o Executivo e o Congresso cuja lógica não é simplesmente ideológica, mas orçamentária e de poder. Diferentemente do que seria um ambiente democrático saudável, o embate congestiona o ambiente institucional, em que as duas Casas do Congresso operam com autonomia quase absoluta sobre o orçamento público, desequilibrando a relação entre os Poderes.


A face mais visível desse choque é o paradoxo fiscal imposto pelo Legislativo, que resiste a qualquer tentativa do governo de aumentar receitas por meio da elevação de tributos ou da reversão de isenções, ao mesmo tempo em que patrocina a aprovação de medidas que ampliam gastos públicos e reduzem a arrecadação, muitas vezes por meio de “jabutis” incluídos de última hora em projetos aparentemente técnicos ou consensuais.


É flagrante esse procedimento, por exemplo, no caso da regulamentação da energia eólica offshore. Sob influência de grupos econômicos, parlamentares inseriram dispositivos que fragilizam a regulação, aumentam subsídios cruzados e encarecem tarifas para o consumidor, a pretexto de um suposto (e falso) incentivo à transição energética. Na prática, são emendas que beneficiam lobbies específicos à custa do contribuinte e sem coerência com o discurso de responsabilidade fiscal.


Outro fato desestabilizador das relações entre os Poderes é a anabolização de emendas de relator e das transferências especiais, por meio das quais o Congresso consolidou um poder orçamentário informal que esvazia a função típica do Executivo de planejar e executar o Orçamento. Isso transformou o Legislativo em coproprietário da execução orçamentária e o Planalto, em refém de negociações frequentemente não transparentes.


A aprovação de gastos sem contrapartida ou critério nacional amplia o déficit público e dificulta políticas redistributivas estruturadas, tornando o ajuste fiscal mais difícil. O resultado é um ambiente em que não há consenso nem sobre o tamanho do Estado nem sobre quem paga por ele. Além disso, alimenta-se a armadilha da judicialização da política toda vez que o governo recorre ao STF para contestar medidas aprovadas ou defender prerrogativas do Executivo. Embora legítimo, esse recurso excepcional, pela frequência que vem ocorrendo, corrói o equilíbrio entre os Poderes, além de atrair o STF para o centro da disputa com o Legislativo.

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