A guerra contra a dengue pede armas novas
A ciência está pronta. O que precisamos é visão de longo prazo, investimento e compromisso coletivo
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Siga noNatalia Verza Ferreira
Doutora em Genética e Biologia Molecular e diretora executiva da Oxitec no Brasil
Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil enfrenta uma marca alarmante: mais de 1 milhão de casos de dengue, cenário agravado por mais de mil mortes. Este panorama, que sobrecarrega o sistema de saúde, não se restringe mais às épocas de calor intenso ou às regiões tradicionalmente afetadas. As mudanças climáticas têm levado o mosquito vetor para áreas de clima mais ameno no Sul e Sudeste do país, onde antes era esporádico.
Diante da expansão geográfica e dos números elevados, fica evidente que os métodos tradicionais de combate têm se mostrado insuficientes. A complexidade aumenta com a circulação simultânea de diferentes sorotipos do vírus, elevando o risco de epidemias e de casos mais graves. É um desafio de saúde pública que exige uma resposta robusta e multifacetada – um dos principais temas do Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), em Belo Horizonte.
Implantar novas tecnologias demanda tempo – e o tempo é agora. A dengue é uma doença sazonal, com menor incidência nos meses frios – período que deve ser aproveitado para planejar e investir em estratégias de longo prazo. O combate à dengue requer uma ação coordenada antes que a próxima temporada de chuvas ecloda os ovos já depositados pelo Aedes aegypti.
Nesse contexto, a ciência e a inovação emergem como forma de quebrar um ciclo que se repete a cada ano. Novas tecnologias, mais seguras para o meio ambiente e para a saúde humana, estão sendo desenvolvidas e implementadas, como o Aedes do Bem e a Tecnologia Wolbachia de Substituição.
O Aedes do Bem, desenvolvido pela Oxitec, consiste na liberação de mosquitos Aedes aegypti machos modificados. Ao acasalarem com a população selvagem, dão origem a fêmeas que não chegarão à fase adulta e a machos com a mesma característica autolimitante, resultando em uma redução significativa do vetor da dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Não deixa resíduos no meio ambiente e atinge apenas o mosquito alvo.
Outra frente inovadora é o uso da Wolbachia, bactéria presente em diversos insetos, mas não no Aedes aegypti. Em contato com ele, reduz sua capacidade de transmitir os vírus. Os mosquitos com Wolbachia, ao se reproduzirem, passam a bactéria aos descendentes, estabelecendo-se gradualmente e conferindo proteção duradoura às comunidades.
Após um chamado da Organização Mundial da Saúde para empresas expandirem a oferta de mosquitos com Wolbachia, a Oxitec está adaptando sua fábrica em Campinas para produzir estes insetos em larga escala, por meio da plataforma Sparks. Alinhada ao compromisso do governo federal de expandir o uso dessa tecnologia, a iniciativa permitirá beneficiar até 100 milhões de pessoas por ano, transformando o Brasil em um hub global na produção de mosquitos com Wolbachia.
Mas o sucesso nessa empreitada depende de um esforço conjunto e coordenado entre governos, com políticas consistentes e investimento em novas ferramentas; empresas, com o desenvolvimento e disponibilização de soluções; e a sociedade, com a adoção de medidas preventivas nos lares e comunidades.
Nesse sentido, fóruns como o Conasems desempenham um papel insubstituível. São espaços para a troca de experiências, debate sobre os desafios enfrentados na ponta por gestores e profissionais de saúde, e disseminação de conhecimento sobre novas abordagens que podem salvar vidas. A discussão aberta e colaborativa é vital para acelerar a adoção de estratégias eficazes, fortalecer políticas públicas de vigilância e controle, e garantir que inovações cheguem de forma equitativa a quem mais precisa.
A ciência está pronta. O que precisamos é visão de longo prazo, investimento e compromisso coletivo. Com a união de esforços e o uso inteligente das ferramentas que a ciência oferece, podemos interromper o ciclo, construindo um futuro mais seguro. n