Vigilância permanente contra a gripe aviária
Há de se reconhecer que os governos, federal e locais, têm reagido bem ao atual cenário de gripe aviária no país
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Siga noPraga aviária e peste aviária eram denominações usadas para se referir à gripe que dizimava aves na Itália em 1878. À época, já se sentia o efeito destruidor de um vírus que seria isolado por cientistas mais de 100 anos depois, bem longe do país europeu. Gansos em Guangdong, no sul da China, morriam com H5N1, micro-organismo decifrado por cientistas em 1996. No ano seguinte, descobriu-se uma pessoa infectada em Hong Kong. Desde então, a possibilidade de disseminação desse tipo de influenza entre humanos esteve sob o radar de especialistas. Recentemente, a preocupação extrapolou os laboratórios.
O novo patamar se deve, sobretudo, à recorrência de epidemias de gripe aviária, à detecção do vírus em diferentes países e ao potencial letal em humanos, ainda que a quantidade de infectados seja pequena. Só nos Estados Unidos, cerca de 170 milhões de aves morreram devido à gripe aviária nos últimos três anos. No mesmo período, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recebeu a notificação de mais de 4.700 surtos da doença na América Latina e no Caribe. O primeiro caso no Brasil foi registrado em maio de 2023, em aves silvestres no Espírito Santo. Neste ano, há 169 casos do tipo confirmados, além de infecções em granjas comerciais. Brasília acaba de entrar na rota de alerta, com a detecção da presença do vírus em uma espécie de pato no zoológico. Minas Gerais entrou há mais de uma semana, com a confirmação da doença em ave ornamental de fazenda em Mateus Leme, na Grande BH.
O momento não é de pânico, reforçam especialistas. O governo federal avalia que a gripe aviária está controlada, tendo como principal referência o fato de não haver mortes de animais de granjas comerciais há 15 dias, e começa a trabalhar para suspender as restrições às exportações. Mas o monitoramento interno não pode esmorecer. “A principal abordagem preventiva é a vigilância. Sem vigilância não dá para saber se há a circulação do vírus”, afirmou Bergmann Ribeiro, virologista e professor da Universidade de Brasília (UnB).
O alerta permanente justifica-se porque é cada vez mais real a possibilidade de o H5N1 passar a ser patogênico em seres humanos – a infecção pelo vírus já é comum em mais de 500 espécies de aves e 50 de mamíferos. E os desdobramentos dessa nova seara de infecção tendem a ser perigosos. Para se ter uma ideia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula o registro de 950 casos de gripe aviária em humanos nos últimos 20 anos. Dos infectados, 460 morreram. Trata-se de uma taxa de letalidade de quase 50% – muito maior do que a do vírus da Covid-19 nos momentos mais críticos da pandemia.
Há de se reconhecer que os governos, federal e locais, têm reagido bem ao atual cenário de gripe aviária no país. Uma possível dispersão do surto, porém, demandaria maiores estratégias. A agricultura, que tem uma estrutura concentrada nas secretarias estaduais, precisaria ampliar os planos de contingência, por exemplo. A criação de centros de coordenação para compartilhamento de informação e organização de ações prioritárias teria que ser imediata.
Há uma estrutura de recursos humanos, formada principalmente durante a pandemia, com capacidade técnica para responder rapidamente a uma nova ameaça sanitária, segundo Bergmann. É pouco. “Precisa investir dinheiro. Se investir, tem gente capaz de fazer vacina, fazer diagnóstico, de trabalhar com vírus da gripe.” Não partir do zero diante de uma ameaça invisível é, sem dúvidas, primordial para salvar vidas e conter outros prejuízos. Mas a Covid mostrou que a agilidade com que os vírus se multiplicam pode rapidamente comprometer toda uma estrutura de suporte pensada por humanos. Melhor não esperar a virulência mais uma vez nos surpreender.