Mineração: uma herança que molda a cultura
A mineração está presente nos símbolos, nas paisagens, nas palavras, nos museus, nas músicas e nos monumentos
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Advogado, gerente jurídico da Equinox Gold, empresa canadense de mineração de ouro, mestre em direito público e professor de cursos de pós-graduação
João Marcos Pires Camargo
Advogado, professor, mestre em direito empresarial e pós-graduado em direito ambiental e minerário pela PUC-MG
Mais do que uma atividade econômica estratégica, a mineração é um dos fundamentos culturais mais antigos da civilização. Rituais, arquiteturas, símbolos nacionais e até nossa percepção do tempo histórico – como as chamadas idades da pedra, do cobre e do bronze - foram moldados pelos minerais. No Brasil, essa presença é particularmente profunda, embora raramente reconhecida no debate público.
Não se trata apenas do nome do estado de Minas Gerais, talvez a influência mais ostensiva da presença da mineração no nosso dia a dia. Nesta terra, onde o barroco religioso esculpido em pedra-sabão e recoberto em ouro ainda brilha nos altares de cidades como Ouro Preto, Congonhas e Mariana, a mineração está nos nomes de lugares que fazem parte da rotina das pessoas: Diamantina, Itabira, Itabirito, Turmalina – entre tantos outros topônimos que ecoam a linguagem dos minerais.
A mineração moldou a geografia do país. Os caminhos coloniais não se expandiram primeiro para a produção agrícola, mas para alcançar depósitos de ouro, prata e diamantes nas serras do interior. O ciclo do ouro no século 18 não apenas atraiu riquezas à Coroa portuguesa, mas consolidou o primeiro centro urbano relevante fora do litoral brasileiro, infelizmente construído sobre a escravização de seres humanos trazidos da África – uma chaga que ainda permeia todas as esferas da sociedade brasileira. A população brasileira deslocou-se para o interior por causa da mineração – antecipando um movimento que só seria retomado no século 20 com a construção de Brasília.
Globalmente, a influência é ainda mais evidente. As civilizações egípcia e inca basearam parte de seus sistemas simbólicos no ouro; os reis magos ofereceram ao menino Jesus, entre seus presentes, o ouro; o sal foi lavrado na Macedônia que financiou o império de Alexandre; o ferro da província da Hispania moldou o Império Romano; o bronze inspirou esculturas eternas; o nome “cobre” nasce do lugar que os helênicos chamaram de “Kýpros” – origem do nome “cobre” e do atual Chipre – que permanece até hoje; dentre vários outros exemplos.
No entanto, no Brasil, essa centralidade histórica e simbólica da mineração é frequentemente ignorada. O setor é reduzido a seus impactos negativos ou representado por estereótipos desatualizados. Esse distanciamento cultural empobrece a percepção pública e fragiliza a capacidade de o país formular políticas estratégicas de longo prazo. Nenhuma sociedade prospera ao renegar as atividades que moldaram sua identidade e que seguem sendo essenciais para seu futuro.
A mineração está presente nos símbolos, nas paisagens, nas palavras, nos museus, nas músicas e nos monumentos. Está na base do cimento que constrói, do pigmento que colore, do vidro que ilumina, do aço que sustenta. Está na memória de um país que, por vezes, esquece de si mesmo.
Reconciliar-se com essa herança não é saudosismo – é maturidade. E é, sobretudo, a condição para entender que a cultura do Brasil – assim como seu futuro – é também mineral.