Responsabilidades compartilhadas em prol da infância
Os poderes da República não podem mais postergar a aprovação do marco legal para a internet e outras medidas que controlem excessos cometidos por plataformas
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Siga noA violência no meio virtual está no cotidiano do país. Diariamente, a Polícia Federal (PF) recebe cerca de 1,5 mil denúncias de crimes do tipo praticados só nas redes sociais, segundo a Secretaria dos Direitos Digitais, do Ministério da Justiça. O elenco de agressões é imensurável. Sarah Raíssa Pereira de Castro, 8 anos, pode ter sido mais uma vítima. A criança teria sido estimulada, pelo “desafio do desodorante”, a inalar o produto. No último domingo, três dias depois do incidente, a equipe médica do Hospital Regional de Ceilândia, constatou que a menina teve morte cerebral.
A morte trágica de Sarah lançou diferentes alertas aos adultos sobre o acesso de crianças às plataformas digitais por meio do celular. Para a promotora do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Karina Rocha, o caso coloca-nos dentro de um princípio de cuidado compartilhado: Estado, sociedade e família. "Temos que pensar sobre a perspectiva de responsabilizar vários atores", defende.
No entendimento da promotora, é preciso "caminhar para a regulação", bem como é "muito necessária a educação digital para fins de proteção". Algo nem sempre comum nos lares brasileiros. "Por vezes, os pais só entregam o aparelho aos filhos sem oferecer um preparo. É necessário que haja divulgação ampla para educar digitalmente os pais. Eles também precisam dessa preparação", afirma a representante do MPDFT.
Se os pais, ou responsáveis, não estão preparados para orientar os mais jovens, crianças e adolescentes acabam sendo presas fáceis das plataformas que ganham dinheiro oferecendo jogos e outros entretenimentos nem sempre saudáveis ou instrutivos. Para os influenciadores, pouco importam os danos que possam causar aos que estão diante da tela. A ideia é ampliar a audiência e, também, elevar a monetização.
A tragédia de Sarah mostra ainda a dificuldade que o poder público e alguns setores enfrentam para avançar a regulação das redes sociais, o que torna a internet terra sem lei, onde vale tudo, de fake news a jogos que estimulam o suícidio, a violência e a própria morte do participante. No meio político, há muita resistência, por confundirem regulação com censura, além da polarização exacerbada que dificulta o avanço em debates urgentes para o país.
O Marco Civil da Internet (Lei 12.965, de 2014) foi criado para estabelecer o direito ao exercício da cidadania nos meios digitais, além da diversidade e da liberdade de expressão na internet. Mas tornou-se insuficiente. A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Lilian Cintra de Melo, afirmou que as 1,5 mil denúncias recebidas diariamente pela PF são a “ponta do iceberg”.
Há, segundo ela, redes extremistas que se organizam em plataformas pouco monitoradas, de difícil rastreamento e com alto poder de disseminação. Umas das ferramentas que podem ajudar o Estado a alcançar esses criminosos é a implantação de um canal nacional único para denúncias – proposta de uma Projeto de Lei (PL) em discussão no Ministério da Justiça e encaminhado à Casa Civil.
Os poderes da República não podem mais postergar a aprovação do marco legal para a internet e outras medidas que controlem excessos cometidos por plataformas e usuários. Assim como pais, escolas e outras instituições da sociedade precisam estar atentos e preparados para lidar com os desafios impostos pela realidade virtual. A proteção da vida na infância impõe essa comunhão de ações e responsabilidades.