A era do autodiagnóstico
Não há mais espaço para explicações mais detalhadas. A ordem é leitura dinâmica, vídeos com respostas imediatas, listas de sintomas nas quais as pessoas simples
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Siga noNa mesma linha de pensamento da automedicação, um fenômeno tem se tornado cada vez mais frequente entre os brasileiros, chamando a atenção de médicos e outros profissionais de saúde: o autodiagnóstico. E pior ainda: não são sintomas considerados simples como uma dor de cabeça ou um incômodo nas costas. Muitos desses registros estão relacionados a doenças mentais – a exemplo de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e depressão, entre outros.
É difícil falar em autodiagnóstico sem citar as redes sociais. Por isso a preocupação dos especialistas é justificável, haja vista a divulgação de uma enorme quantidade de testes psicológicos sem a devida verificação, além de conteúdos altamente questionáveis nas principais plataformas.
Uma pesquisa divulgada em 2024 pela Medscape, com quase 1.300 médicos brasileiros, mostra a preocupação dos especialistas quanto ao autodiagnóstico por inteligência artificial. No levantamento, realizado entre 12 de janeiro e 3 de março de 2024, 83% dos entrevistados apontaram que os pacientes correm riscos com diagnósticos feitos por inteligência artificial. Outro estudo, do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICQT), reforça a questão, mostrando que 40% dos brasileiros fazem autodiagnóstico pela internet.
Outro aspecto que chama a atenção é que a prática atinge quase todas as faixas etárias, a maioria na mesma proporção. Com exceção dos idosos (60+), que somaram 19,72% dos respondentes, a porcentagem foi a seguinte: 16 a 24 anos (52,77%), 25 a 34 anos (54,97%), 35 a 44 anos (43,41%), 45 a 59 (33,23%).
Não há dúvidas sobre os benefícios da evolução tecnológica, inclusive na medicina, seja facilitando a análise de exames, seja na redução de erros de diagnóstico, mas no caso dos pacientes, é muito fácil chegar a um parecer equivocado, já que estamos falando de pessoas sem conhecimento especializado.
Ainda que as redes sociais sejam uma alavanca para aumentar a conscientização quanto a essas doenças, elas exercem um papel de indutoras a erros. Um paciente que acredita que tenha depressão pode ser levado a fazer um determinado tipo de tratamento equivocado e até mesmo a usar indevidamente medicamentos que podem, inclusive, contribuir para outros transtornos.
Enfim, nunca na história da humanidade tivemos tanta liberdade quanto a disseminação de informações. O problema é como consumimos essas informações. Não há mais espaço para textos longos, explicações mais detalhadas. O que vale é a leitura dinâmica, vídeos com respostas imediatas, listas de sintomas nas quais as pessoas simplesmente se encaixam a partir de um questionário simplista.
No mínimo, falta bom senso de quem busca esses diagnósticos e, consequentemente, de quem se automedica após um autodiagnóstico inadequado. E, claro, falta fiscalização dos órgãos competentes.