Antes mesmo de ocupar a mesa de fundo do Salão Oval da Casa Branca, Donald Trump fez ecoar que não pretende manter uma convivência sem arestas com o restante do mundo. Mandou recados para a Dinamarca sobre a Groenlândia, em relação à segurança do território norte-americano; ao Canadá e ao México, no que diz respeito às bases nas quais o USMCA (bloco econômico formado por Estados Unidos, México e Canadá) está assentado – ao vizinho de cima, falou sobre possível integração aos Estados Unidos, e, ao de baixo, um rearranjo que incluiria renomear o golfo que alcança as costas texana e da Louisiana; aos países da América Central, para que não “exportem” imigrantes ilegais, pois serão todos mandados de volta à força; e à China e ao Brasil, que repensem taxações que incidem sobre produtos que compõem a pauta comercial – e nisso está embutido o incômodo com o avanço do Brics.


O primeiro sinal de como serão conduzidas as relações entre Brasil e Estados Unidos será o novo embaixador a desembarcar em Brasília. Em passado recente, o então representante diplomático norte-americano, Todd Chapman, fez questão de evidenciar alinhamento, ao promover um churrasco comemorativo ao 4 de Julho e receber um grupo de políticos brasileiros em plena pandemia de COVID-19.


O recado ao Palácio do Planalto virá daí. A deduzir pela formação do primeiro escalão do governo Trump, será alguém diretamente conectado a ele, que terá uma função bem específica: acompanhar de perto a desenvoltura com que o presidente Lula busca se impor como liderança para além do campo regional.


Sob o escrutínio norte-americano, dois eventos incômodos para Washington e que colocam o Brasil na liderança. O primeiro, a cúpula do Brics no Rio de Janeiro, possivelmente em julho, que debaterá, além das mudanças climáticas, a utilização da inteligência artificial, assunto que mexe com o humor das big techs, já devidamente abrigadas no governo Trump. A presidência brasileira do bloco — que além de China e Rússia, tem como integrantes Irã, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Indonésia, todos islâmicos e potências energéticas — é um desconforto que se estende, inclusive, ao acordo Mercosul-União Europeia, cuja implementação pode ser acelerada em função da mudança de ventos nos EUA.


O segundo assunto que é um aborrecimento para Trump é a COP 30, em Belém, em novembro, no qual o Brasil, mais uma vez, ocupará posição central. Trata-se de um evento para o qual o futuro governo norte-americano torce o nariz. Tanto que, à frente da Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês), estará o ex-deputado Lee Zeldin. Trumpista de primeira hora e inexperiente na área, assume com o propósito de promover o enfraquecimento das leis ambientais norte-americanas, segundo a jornalista Coral Davenport, do The New York Times.


Apesar de arroubos retóricos, em condições normais as relações entre as nações se baseiam no pragmatismo conduzido pelo discreto balé da diplomacia. Mas, a partir de amanhã, essa regra pode se alterar no caminho entre Brasília e Washington – e a ruidosa (e ruinosa) ideologia assumir o protagonismo.