Mais de 100 mil corpos de escravizados são encontrados em Salvador
Arqueólogos identificam cemitério com 100 mil corpos de escravizados e pessoas marginalizadas; local segue sendo usado como estacionamento
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Um antigo cemitério localizado sob um estacionamento no centro de Salvador (BA), que funcionou entre os séculos 17 e 19, abriga mais de 100 mil corpos, a maioria de escravizados. A descoberta foi apresentada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) na última semana.
O cemitério hoje funciona como um estacionamento pertencente à Santa Casa de Misericórdia e pode ser o maior de pessoas escravizadas da América Latina. Segundo o MP-BA, a área serviu como local de enterro de africanos escravizados e pessoas marginalizadas, incluindo pobres, excomungados, suicidas, prostitutas e criminosos, durante aproximadamente 150 anos, até sua desativação em 1844, quando a Santa Casa passou a operar o Cemitério Campo Santo, no bairro da Federação.
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A localização do cemitério foi resultado da pesquisa de doutorado da arquiteta urbanista Silvana Olivieri, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A pesquisadora utilizou mapas históricos do século 18, fotos de satélite atuais e documentos históricos, incluindo estudos dos historiadores Braz do Amaral (1917) e Consuelo Pondé de Sena (1981), além de um livro de 1862, escrito por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa.
As escavações começaram em 14 de maio de 2025. No terceiro dia, foram encontrados os primeiros vestígios: fragmentos de objetos e porcelanas do século XIX. Cerca de 10 dias depois, os arqueólogos localizaram as primeiras ossadas humanas.
Apesar da importância histórica e arqueológica do local, o estacionamento continua em funcionamento. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recomendou que a Santa Casa suspenda o uso do espaço, mas a decisão ainda não foi implementada.
“É um tema de relevância para a formação da memória social e coletiva da Bahia e do país, pois estamos falando de séculos em que pessoas foram retiradas de seu território de maneira forçada, tiveram seus laços quebrados e memórias apagadas”, ressaltou a arqueóloga Jeanne Almeida, que liderou parte das pesquisas, ao g1.
Entre os corpos enterrados, podem estar participantes da Revolta dos Búzios (1798), da Revolução Pernambucana (1817) e da Revolta dos Malês (1835), além de integrantes de outros movimentos de resistência negra no Brasil.
Investigações continuam
O MP-BA vai emitir uma indicação formal para que a Santa Casa suspenda o uso do local como estacionamento. Pesquisadores e representantes de órgãos federais e estaduais, como o Iphan, o Ipac e a Fundação Gregório de Matos (FGM), defendem que o cemitério seja reconhecido como “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”.
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O promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Nudephac (Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural), afirmou que é essencial garantir a proteção do local enquanto sítio arqueológico de memória sensível e promover a escuta de movimentos sociais e lideranças religiosas, iniciando um processo de reparação histórica e rompendo o ciclo de silenciamento desses grupos.