Por que o governo Lula não considera PCC e CV como grupos terroristas
Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou uma proposta para endurecer ações contra facções criminosas
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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, esclareceu nessa quarta-feira (22/10) o porquê de o governo federal não considerar as facções criminosas brasileiras como grupo terrorista, discordando do projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe enquadrá-las como tal.
Ministro não entende PCC e outras facções como grupos terroristas. Lewandowski destacou que há uma lei que estabelece o que é terrorismo, e que ela não contempla as ações de criminosos de facções como o Comando Vermelho ou o PCC, que não possuem, segundo o ministro, inclinação ideológica.
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Lei supera subjetivismos ao definir ações terroristas. "Grupos terroristas são aqueles que causam perturbação social, política, têm uma inclinação ideológica etc, o que não acontece com as organizações criminosas", explicou o ministro, citando termos da lei.
Lewandowski defende que os crimes das facções são claras e já estão previstos no código penal. Segundo o ministro, é mais fácil identificar as ações de organizações criminosas e definir as punições, diferentes de terroristas.
Projeto antifacção
Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou nessa quarta-feira uma proposta para endurecer ações contra facções. Batizado de projeto Antifacção, o texto foi enviado para avaliação da Casa Civil e muda alguns entendimentos na legislação sobre organização criminosa, criando novos conceitos e endurecendo as ações de combate.
Projeto prevê uma série de medidas que visa a alteração da atual lei de organizações criminosas. Em entrevista ao UOL, o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, detalhou medidas apresentadas pelo ministério, incluindo a criação de um banco de dados informações detalhadas sobre membros e líderes de facções criminosas, previsão legal para a infiltração de agentes nos grupos e o aumento da gravidade para crimes enquadrados nesse espectro.
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Projeto antifacção do governo Lula terá de passar pelo Congresso. Interlocutores do Ministério da Justiça e Segurança Pública acreditam que o texto deva ser encaminhado com rapidez para análise dos deputados e, posteriormente, senadores.
Inicialmente, proposta se chamaria projeto de lei Antimáfia. Em maio, autoridades em segurança pública e integrantes de grupos de trabalho do Ministério da Justiça defendiam legislações específicas para desmantelar o que chamavam de grupos mafiosos. A proposta era a criação de um Departamento Antimáfia no Brasil e de uma agência antimáfia -mas o projeto sofreu mudanças.
"Nossas facções têm características que as máfias italianas não têm", diz Sarrubbo. Segundo o secretário, o crime organizado atua em diversos países de formas diferentes. "Foi uma opção, uma questão de semântica [adotar o nome pacote antimáfia], mas tudo é organização criminosa. É adotar um olhar para o Brasil, sempre falamos em facção para caracterizar o crime no Brasil, que é diferente do crime nos EUA e na Itália."
Proposta de criação de agência Antimáfia não avançou. Em maio, havia discussões dentro do Ministério da Justiça para a criação de uma agência Antimáfia. O promotor de Justiça do Gaeco de São Paulo, Lincoln Gakiya, defendia a instalação do órgão. Ele chegou a dizer que seria uma agência autônoma, uma espécie de Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), com um diretor com mandato e autonomia para formar a própria equipe de investigação.
Pacote é nova frente de atuação do governo. O pacote é uma nova tentativa do governo federal de protagonizar o tema da segurança pública após entraves colocado à PEC por parte dos governadores. Dentro da pasta, o objetivo é mostrar à população quais são as responsabilidades do governo federal e dos estados nos temas relativos à segurança pública.
Lei Antiterrorismo
A ação de Lewandowski nessa quarta-feira é uma alternativa do governo federal ao projeto que já está avançado na Câmara. Projeto do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) prevê que "impor domínio ou controle de área territorial" é considerado prática criminosa e deve ser enquadrado na lei antiterrorismo.
Projeto ainda precisa ir à votação no plenário. Como já foi aprovada urgência em maio deste ano, cabe apenas a decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), colocar o projeto na pauta de sessão.
Facção criminosa que atacou empresas de internet no Ceará inspirou projeto. Na justificativa da proposta, Forte citou os ataques criminosos contra provedoras que geraram "apagões" do serviço em regiões controladas pela facção CV (Comando Vermelho). O colunista do UOL Carlos Madeiro revelou que a facção tentava consolidar um modelo similar ao adotado pelo crime em territórios ocupados do Rio de Janeiro (estado de origem da facção), com a oferta e cobrança por serviços.
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"A organização criminosa, atuando com métodos típicos de terror, como forma de demonstrar controle territorial, exigia pagamentos por ponto de internet instalado e, diante da recusa dos provedores, passou a atacar suas instalações, causando prejuízos e interrompendo o fornecimento de serviços essenciais", diz trecho da justificativa do projeto de lei.
Esquerda diz acreditar que a ampliação do conceito de terrorismo pode atingir movimentos sociais. Em plenário, a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) disse que a proposta é mais uma forma de não garantir o direito à manifestação.
"Nós estudamos bastante essa matéria. É o direito de ir e vir. Paz sem voz não é paz, é medo. E nós, povos indígenas, que sempre fizemos mobilizações pacíficas, acreditamos que essa é mais uma forma, no setor público ou privado, de não garantir o direito à manifestação", disse a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG).