Presente de fé e amor: presépio doado por viúva é atração em Santa Luzia
Parte de circuito de Natal, peças reunidas por 64 anos pelos professores João e Íria continuam a encantar a cidade, agora em templo histórico da cidade
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Presente entregue de coração aberto, embalado por muitas histórias, pleno de fé e com os laços de mais de seis décadas de união. Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a professora Íria Renault de Castro Silva, de 89 anos, doou ao Santuário Arquidiocesano Santa Luzia o presépio da sua casa, um dos mais tradicionais da cidade onde há circuito especial, na temporada natalina, de visitação a igrejas e residências que recriam, com arte e devoção, o cenário do nascimento de Jesus. A decisão, ela explica, veio após a perda do marido, o também professor João de Castro Silva, falecido em 25 de julho perto de completar 100 anos.
O “presépio de João e Íria”, como ficou conhecido na tricentenária cidade, está montado hoje na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Centro Histórico. “No dia do Natal, se completam cinco meses do falecimento de João. Fico mais leve ao ver as pessoas visitando o presépio, antes na nossa casa, perto da Igreja Matriz, e agora aqui, no Rosário”, conta a professora ao mostrar a gruta, a sagrada família, os reis, os bichos e outras figuras que ela e o marido reuniram em 64 anos de vida conjugal.
“Quando nos casamos, em 1961, e morávamos em Belo Horizonte, João tinha o Menino Jesus, e, desta vez, apenas essa imagem estará na sala de casa, numa situação bem diferente do presépio com 10 metros de comprimento e cinco de largura e cerca de 2 mil peças”, conta a professora de italiano, alemão, francês e latim. A tradição na vida do casal, que não teve filhos, se fortaleceu na década de 1960 e não parou mais, principalmente quando se estabeleceu há 35 anos em Santa Luzia, terra natal de João.
“Em 1962, compramos as imagens de São José, Nossa Senhora e Reis Magos, que se juntaram ao Menino Jesus. Eram tempos difíceis, os primeiros do casal, então não dava para adquirir muito. Moramos em apartamentos pequenos nos bairros Sion e São Pedro (Região Centro-Sul de BH) até que fomos para uma casa no São Lucas, sendo possível fazer um presépio bem maior.” Na lareira, com formato de uma garrafa bojuda, montaram o presépio, e as peças os acompanharam nas décadas seguintes. Há figuras de várias cidades do Brasil e do exterior visitadas por João, que foi professor de alemão no Instituto Goethe, e Íria, nascida na capital.
ANÚNCIO OFICIAL
A ideia da doação nasceu de uma conversa de Íria com o reitor do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, padre Felipe Lemos de Queirós. “Ele me perguntou sobre o destino do presépio, mas eu não havia decidido nada. Então, me disse que, se quisesse, poderia montá-lo na Igreja do Rosário, pois havia espaço. Gostei da sugestão e aceitei”, revela Íria.
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Assim, a professora resolveu fazer uma surpresa à comunidade. Em 23 de outubro, quando o marido falecido faria 100 anos, ela reuniu amigos na Igreja do Rosário, mandou celebrar uma missa e anunciou o presente para a paróquia. Em exposição permanente, poderá ser visto ao longo de todo o ano. “Por sorte, a imagem de Nossa Senhora traz o Menino Jesus no colo, não sendo necessário, portanto, colocá-lo na manjedoura, à meia-noite (do dia 24 para o dia 25), como é costume entre os católicos.”
Amigo de longa data de João e Íria, o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, agradeceu o presente. “Eles escreveram juntos uma história bonita, 64 anos de matrimônio, e o presépio, que agora integra o acervo do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, é expressão artística do amor que uniu este casal. Dona Íria, de modo generoso, doou o presépio ao santuário possibilitando que todas as pessoas e futuras gerações contemplem a beleza e a singeleza que marcaram o nascimento de Jesus, aprendendo sempre mais sobre o amor sustentado pela fé, que inspira também a arte.”
“O MUNDO TODO”
Enquanto mostra ao Estado de Minas o cenário do nascimento de Jesus, que fica no lado esquerdo de quem entra na Igreja do Rosário, sob a torre do sino, Íria se recorda de que, no ano passado, quando o marido não estava muito bem de saúde, montou o presépio praticamente sozinha. “Ele fazia questão de trabalhar só, gastava quase dois meses. Só me chamava para ver quando estava tudo pronto. Desta vez, olhou e aprovou: “Bom mestre, melhor discípulo”.
No presépio de “João e Íria”, a história sagrada se enlaça a passagens dos evangelhos apócrifos (textos cristãos antigos não incluídos no Novo Testamento). Na trajetória dos Reis Magos, por exemplo, conforme narrado nas Sagradas Escrituras, há dois caminhos: um em direção a Belém, onde Jesus nasceu, e outro, a rota de fuga, pelo qual Gaspar, Baltazar e Belchior passaram para enganar o rei Herodes, que queria matar o “rei dos judeus” recém-nascido. Em um cantinho especial, há cenas anteriores ao nascimento, a exemplo da Anunciação e de Maria, grávida, ao lado de José e prestes a dar à luz.
Já nos evangelhos apócrifos, Íria e João encontraram a história da “mulita”, fêmea do tatu, animal mamífero, que teria amamentado o Menino Jesus. “Quando São José soube que Herodes queria matar Jesus, falou com Maria e, diante da ameaça, o leite dela secou. Assim, a ‘mulita’ seguiu com eles em direção ao Egito, para que o filho não passasse fome”.
Os olhos dos visitantes vão encontrar regiões como o Polo Norte e a África, com populações, rebanhos, fazendas, pastos, água. “No nosso presépio nunca faltou uma lagoa”, observa a professora, lembrando que os vários pontos do planeta retratados mostram que Jesus nasceu para todo o mundo”. Importante lembrar que o presépio se encontra em escala bem menor do que o anterior. “Doei muitas peças para pessoas queridas e que também fazem presépios, então, ele se multiplicou.”
CIRCUITO DE VISITAÇÃO
Promovido pela Prefeitura de Santa Luzia, via Secretaria Municipal da Cultura e do Turismo, o Circuito de Presépios chega a sua vigésima edição “valorizando a montagem e a exposição como patrimônio cultural do município”, conforme diz a titular da pasta, Regilene de Carvalho Rodrigues. Neste ano, podem ser visitados 25 presépios localizados em Taquaraçu de Baixo (zona rural), Centro (entre eles, de Íria e João, na Igreja do Rosário, onde há também um montado pela equipe do padre Felipe), Parte Baixa e Bairro Londrina, no distrito de São Benedito.
Para facilitar a vida do visitante, a prefeitura local disponibiliza micro-ônibus no período de 15 a 19 deste mês, nos horários de 9h e 14h, sendo necessário agendamento pelo telefone (com Whatsapp) 31 99187-6464. Em cada viagem, haverá quatro pontos de visitação.
A saída será sempre na porta da Secretaria Municipal da Cultura e do Turismo, que fica na Rua Direita, 755, no Centro Histórico, em frente ao Santuário Arquidiocesano Santa Luzia. Cada visitante deverá ter um passaporte, com todos os nomes e endereços, o qual será carimbado pelos “presepistas”. No dia 19, à tarde, não haverá transporte, pois a visitação será a pé, nas proximidades da secretaria.
HISTÓRIA
Reza a tradição cristã que os presépios têm mais de oito séculos de história, sendo o pioneiro deles fruto da devoção de São Francisco de Assis, a quem seria dado, muito tempo depois, o título de “protetor dos animais e da natureza”. No Natal de 1223, na cidade de Greccio, na Itália, o frade Francisco (1181-1226) teria recriado a gruta de Belém, incorporando à cena o boi e o jumento, a fim de demonstrar a simplicidade do local onde Jesus veio ao mundo.
São Francisco de Assis nasceu em Assis, Itália, em 1182, em uma família rica e nobre. Ainda jovem abdicou de sua herança e vida de riquezas, fazendo votos de pobreza, se dedicando à Igreja, aos menos favorecidos e em fazer a vontade de Deus, servindo-O por meio da doação total e incondicional da sua vida. Fundou a Ordem dos Frades Menores, hoje conhecidos como franciscanos. Foi canonizado pelo papa Gregório IX dois anos depois de sua morte. É conhecido como o protetor dos animais.
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O tempo passou, o mundo mudou, e os presépios, hoje, se fazem presentes nas celebrações natalinas de residências, igrejas, mosteiros, praças e até ao ar livre. Em Minas, a tradição se fortalece cada vez mais, tanto na capital como no interior. E não para de render histórias.