Cargos públicos de Minas Gerais deverão ter cotas para negros
Projeto de Lei que assegura 20% das vagas para pessoas pretas e pardas foi aprovado em 2º turno pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais
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Cargos públicos da administração estadual passarão a ter um percentual mínimo de ocupação por pessoas negras. É o que determina o Projeto de Lei (PL) 438/19, aprovado de forma definitiva pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em reunião ordinária nesta terça-feira (16/12). Agora, para entrar em vigor, o texto precisa ser sancionado pelo governador Romeu Zema (Novo).
A proposição, de autoria conjunta da 1ª vice-presidente da ALMG, deputada Leninha, e das deputadas Andréia de Jesus e Beatriz Cerqueira (todas do PT), é a mesma que já havia sido validada pelos parlamentares em 1º turno no último dia 3/12, uma quarta-feira.
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O PL assegura a reserva de vagas oferecidas nos certames para o provimento de cargos efetivos e empregos públicos das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pelo Estado, bem como dos Poderes Legislativo e Judiciário do Estado. De acordo com o texto, sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três, as cotas deverão ser disponibilizadas.
Tanto o número total de vagas quanto aquelas destinadas a cotistas, para cada cargo ou emprego público oferecido, deverão constar nos editais dos concursos públicos. As vagas reservadas terão, também segundo o texto aprovado pela ALMG, equidade de gênero para a composição.
Ainda de acordo com o PL, os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às destinadas à ampla concorrência, de acordo com a classificação no concurso. Aqueles aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.
A proposição também prevê a hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas. Nesse caso, ocorrerá o arredondamento para o número inteiro subsequente se a fração for igual ou maior que 0,5 (cinco décimos). Do mesmo modo, frações menores que 0,5 serão reduzidas para o número inteiro imediatamente inferior.
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Caso uma pessoa aprovada pelo sistema de cotas desista de tomar posse, a vaga reservada será preenchida pelo candidato negro posteriormente classificado. Já na hipótese de o número de candidatos negros aprovados no concurso ser insuficiente, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e, assim, preenchidas pelos demais candidatos, observada a ordem de classificação.
Quem poderá se beneficiar das cotas?
Poderão concorrer os candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição, conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tais pessoas deverão indicar se pretendem concorrer pelo sistema de reserva de vagas, podendo desistir até o final do período de inscrição.
A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade. Porém, precisará ser confirmada mediante procedimento de heteroidentificação, realizado por uma comissão. Em caso de dúvida, a autodeclaração prevalecerá. O PL determina que os editais de abertura de concursos públicos explicitem as providências a serem adotadas para a realização do procedimento de heteroidentificação.
Por outro lado, se for constatada uma declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso. Caso a nomeação já tenha ocorrido, a admissão ao serviço ou emprego público será anulada, por meio de procedimento administrativo, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa ao funcionário, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Lei tardia
A aprovação das cotas para cargos públicos estaduais ocorre nada menos que 11 anos depois de a legislação equivalente em nível federal entrar em vigor. No caso, a Lei 12.990, que também assegura 20% das vagas do serviço público para pessoas pretas e pardas, foi instituída em 9 de junho de 2014. O próprio texto aprovado pela ALMG passou cerca de seis anos em tramitação.
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Vale lembrar que essa demora levou a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) a acionar, no último mês de novembro, o Tribunal de Justiça do Estado (TJMG). A medida judicial foi tomada após a identificação da ausência de vagas para candidatos pretos, pardos, indígenas e quilombolas em diversos certames, entre os quais os da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e da Secretaria de Estado de Educação (SEE).
Israel Mattozo, advogado especialista em concursos, do escritório Mattozo e Ribeiro, e professor do Instituto Pontes de Miranda, critica justamente o longo tempo gasto pelo Poder Legislativo para aprovar o texto. "Esse Projeto de Lei está tramitando já há bastante tempo na Assembleia e já está um pouco ultrapassado. Tanto a Lei Federal quanto a Lei de Belo Horizonte, aqui da capital, prevêem 30% de vagas para pessoas negras", observa.
Mattozo lembra que a proposição ainda depende do aval do governador e, mesmo após a publicação no Diário Oficial de Minas Gerais, só entrará em vigor dentro de um prazo de 180 dias. Enquanto isso, candidatos negros não terão cotas garantidas em concursos já em andamento ou ainda a serem realizados pelo Estado. "Na prática, ela (a Lei) só terá eficácia a partir do 2027", prevê. "Já demorou tanto para aprovar; por que não fazer com que ela tenha eficácia imediata?", questiona.
Outra falha apontada pelo jurista no texto aprovado é a ausência de vagas destinadas a quilombolas e indígenas, que não foram incluídas no PL estadual, apesar de constarem na Lei de âmbito federal. "O que a gente espera é que isso seja atualizado na próxima legislatura", opina o jurista.
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No entanto, Mattozo destaca a importância de uma lei para assegurar cotas para a população negra em cargos públicos de Minas Gerais. O jurista salienta a presunção relativa de veracidade assegurada à autodeclaração de candidatos negros. "A Lei prioriza a autodeclaração, confirmando o que realmente está posto no Estatuto da Igualdade Racial: isso é de se destacar como um ponto extremamente positivo", avalia. "Que seja um estímulo para os municípios mineiros, porque muitos, inclusive, não têm essa lei", conclui.