Inventário Cultural dos Povos Indígenas é apresentado em BH
Levantamento busca compreender as 46 etnias indígenas que vivem em contexto urbano em Belo Horizonte e na Região Metropolitana
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O Inventário Cultural dos Povos Indígenas, apresentado neste domingo (07/12), mostrou que, atualmente, integrantes de 46 etnias indígenas vivem em contexto urbano em Belo Horizonte e em outros 10 municípios da Região Metropolitana. O objetivo do levantamento é compreender a diversidade dos povos indígenas na capital mineira, assim como suas práticas culturais, seus desafios e onde estão localizados.
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O evento, realizado no Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado, na região da Pampulha, iniciou com um café da manhã, seguido de um momento de cantos e discursos. Diante da presença de lideranças indígenas, os resultados foram apresentados e avaliados. Ao fim da apresentação, houve um momento de escuta para que sejam feitos os ajustes para a versão final do documento.
“Muitos indígenas que estão no território, muitas vezes, voltam para o urbano por não ter o apoio que precisam. Então, a gente precisa de pessoas para ajudar nessa peleja para melhorar as condições de vida aqui na Região Metropolitana”, afirma a cacique Marinalva Maria de Jesus, da aldeia Kamakã Kaê Há Puá, em Esmeraldas, primeira ocupação da Região Metropolitana de BH.
O Inventário foi recebido com felicidade pelas lideranças, que esperam que os dados se concretizem em políticas públicas efetivas. Avelin Kambiwá explica que as reivindicações são antigas, mas esbarravam na falta de dados sistematizados.
“A gente passa a existir na cidade de uma forma que o Estado entenda, que é dados e estatísticas, e passa a contar para as políticas públicas. Antes, a gente trazia as pautas indígenas e as respostas eram ‘onde vocês estão?’, e a gente não sabia explicar isso com dados. Agora eu espero que não tenham mais desculpas para que as políticas públicas não sejam implementadas”, declara.
Carlinhos Xucuru Kariri ainda vê a promessa de melhoria com apreensão. Ele é cacique da aldeia Arapowã Kakyá, em Brumadinho, onde vivem cerca de 80 pessoas de 25 famílias. Ele espera que o levantamento ajude na demarcação das terras e no combate ao preconceito que ainda atinge muitos indígenas.
“Esse levantamento é de grande importância e uma conquista do coletivo indígena. Eu vou aguardar e ver isso sair do papel, porque, em fala, eu já estou acostumado a sentar para conversar e demorar a resolver. Feliz eu vou ficar quando ver, de verdade, acontecer”, afirma o líder.
Desafios da vida urbana
Segundo o Censo 2022, 2.692 indígenas vivem em Belo Horizonte e enfrentam diversas dificuldades, sendo uma das principais o preconceito, que impacta outros aspectos de suas vidas, como a obtenção de renda. Avelin conta que deseja poder viver a sua cultura sem sofrer racismo ou ser exotizada.
“Espero uma cidade menos hostil. A gente tenta sempre andar em grupo, principalmente na cidade, porque a gente vai pegar um metrô ou um ônibus e, se tiver usando um cocar ou uma pintura, a gente vai sofrer preconceito, mesmo que na base da zoeira”, relata.
Kambiwá aponta que a saúde é um dos pontos de atenção para a comunidade indígena. Segundo ela, apesar de a atenção à saúde primária indígena nas aldeias atender às particularidades dos diversos povos, a atenção secundária ainda é prioritariamente oferecida nos centros urbanos e não está preparada para lidar com a cultura ancestral, não permitindo elementos que, para os povos originários, são imprescindíveis.
“Não existe um diálogo intercultural entre a medicina indígena e a oficial não indígena. A gente não pode fazer um canto, tomar um banho de ervas ou receber um pajé. Isso faz com que o indígena adoeça mais”, explica.
Para resolver as questões, ela luta pela criação de um ambulatório indígena que respeite as especificidades de cada etnia e pela criação de uma feira de artesanato, uma das principais fontes de renda indígena.
Demarcação de terras
A expectativa é que o inventário também contribua para o avanço da demarcação de terras indígenas na Região Metropolitana de BH. Em diversos momentos do evento deste domingo, os indígenas presentes falaram sobre a importância da preservação do solo sagrado e do reconhecimento da cultura ancestral.
“A luta é árdua e nós sofremos muito para estar onde estamos. Hoje a luta se encontra pacífica, mas ela não parou e não vai parar”, declarou Cacique Carlinhos Xucuru Kariri.
Desdobramentos
O Inventário Cultural dos Povos Indígenas foi desenvolvido pela PBH em convênio com o Ministério da Cultura e em parceria com a Consultoria Campo — Cultura, Meio Ambiente e Patrimônio. O estudo ainda passará por adequações apontadas pelas lideranças e tem previsão de ser publicado oficialmente em fevereiro de 2026.
“Esse resultado é bastante importante para compreender como nasce uma jovem indígena na favela em Belo Horizonte, por exemplo, e, sobretudo, entender e respeitar a necessidade de nunca tomar dois ou três representantes como representantes de todos. Cada povo tem sua liderança, suas organizações sociais e não dá para avançar sem escutar cada representatividade”, avalia Fernanda de Oliveira, sócia-diretora da Consultoria Campo.
Para Bárbara Boff, presidente da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, o documento inicia um processo de construção e de reconhecimento da necessidade de um trabalho integrado com diversas secretarias.
“É obrigação do estado pensar a diversidade e a multiplicidade desses povos, das mais diversas faixas etárias, incluí-los e dar oportunidade para que eles estejam presentes a partir dos seus saberes e da sua história de uma forma transversal para todos os projetos e programas que a gente realiza”, diz Boff.
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A partir da versão final do Inventário, será realizado um seminário para iniciar o planejamento a partir das demandas apresentadas. O evento deve ocorrer entre março e abril do próximo ano.