Clientes fazem fila para se despedir do Bolão na esquina do Santa Tereza
O bar não vai mais funcionar na esquina em frente à Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de BH
compartilhe
SIGA
O último dia de funcionamento do Bar Bolão na esquina em frente à Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte, é marcado por mesas cheias e fila do lado de fora. Dezenas de pessoas vieram para beber a saideira e comer um rochedão ou espaguete. Clientes relembram memórias ligadas ao estabelecimento, que está no endereço há 57 anos, e contam que a saudade vai ficar.
Na icônica esquina do Santa Tereza, as gerações se reúnem para o encerramento das atividades no casarão, que por anos foi o ponto final da juventude que curtia a madrugada em BH. Quando a cidade inteira parecia dormir, o Bolão estava de portas abertas.
"O sentimento é de coração partido porque foi uma tradição. Desde pequena eu frequento", conta Gabriela Orlandi, de 45 anos. Para se despedir, a maquiadora enfrentou a fila no sol, já pensando no rochedão que vai comer.
A comerciante Adriani Cristina de Freitas, de 55, também veio para relembrar os velhos tempos. Ela conta que há 20 anos visitou o Bolão com a família e, por isso, decidiu vir com os filhos e o genro neste domingo. "Falei: A gente tem que ir lá porque é parte da história de Belo Horizonte. É maravilhoso", afirma.
Acompanhados de uma cerveja gelada e à espera do pedido, o casal Jacqueline San Juan, de 56, e Christian Glayson dos Reis, de 50, chegou antes do horário de abertura da casa, às 11h, para garantir uma mesa.
"A gente quer fazer parte dessa história de encerramento. Eu venho ao Bolão desde a adolescência e ele também, e a gente nem se conhecia. A gente deixou para vir juntos hoje, no último dia do Bolão", diz Jacqueline.
A esquina no Santa Tereza reuniu e conquistou um público amplo. Isso fica visível nas paredes do bar, que exibem prêmios de gastronomia, discos de ouro da banda Skank e camisas dos três principais times de BH. Nas mesas do Bolão, vitórias foram comemoradas, músicas foram compostas e conversas foram desfiadas.
História de amor
Sentados em um banco na Praça Duque de Caxias, bebendo cerveja em copos lagoinha e observando o movimento do Bolão, o casal Zé Geraldo, advogado de 62 anos, e Betânia Aparecida, secretária de 55, se despedem do local onde começaram a namorar. “Hoje a gente veio para prestigiar. Como começou uma história, um casamento — a gente está juntos há 35 anos, 10 de namoro e 25 de casados — a gente decidiu vir aqui hoje”, conta Betânia.
Ela diz que vai sentir falta da harmonia, convívio e o acolhimento que recebem quando eles vêm ao Bolão. Betânia descreve o estabelecimento como um ambiente familiar e conta que o prato de que vai sentir mais falta é o toucinho de barriga.
"Um aperto terrível para a gente. Um sentimento muito triste, mas ao mesmo tempo de alegria porque a gente pode estar aqui neste momento épico da despedida do Bolão”, diz Zé Geraldo. Ele lamenta que ainda não se sabe qual será o novo endereço do bar. Por sua vez, ele afirma que vai sentir saudades do macarrão do Bolão. “É aquela história, Minas não tem mar, mas tem bar. E bar bom, e o Bolão é um deles”, afirma.
Proprietários emocionados
Com uma mesa colocada na calçada do outro lado da rua do bar, os irmãos Karla e Carlos Henrique Rocha, sócios-proprietários do Bolão, participam da despedida. “São muitas memórias. Eu comecei a trabalhar com 15 anos, estou com 41 hoje. Tem muitas coisas que aconteceram aqui dentro deste prédio. A gente fica até emocionado de falar”, afirma Carlos Henrique, com os olhos cheios d’água.
Entre as muitas memórias que o marcaram, ele destaca quando o Clube Atlético Mineiro foi campeão da Libertadores em 2013. “Teve clientes que ficaram três ou quatro dias aqui virados tomando cerveja”, relembra.
Leia Mais
Em entrevista ao Estado de Minas na última quarta-feira (22/10), Karla Rocha também se emocionou ao falar sobre o fim das atividades no local. “São mudanças, a gente tem que estar preparado. Realmente não está sendo fácil”, disse.
Ela também teve dificuldades de destacar apenas uma memória especial em todos esses anos de história. “São muitos artistas que já passaram por aqui, muitas vidas. Funcionários que fizeram a vida conosco. O Bolão é uma história”, afirmou, com lágrimas nos olhos.
Por que o Bolão vai fechar?
O motivo do fechamento das portas na icônica esquina foi o pedido do imóvel, por parte do locador, para a realização de reformas, de acordo com Karla Rocha. A proprietária garante que o comércio vai abrir em outro local, ainda não definido.
Karla conta que o adeus do ponto tem sido uma mistura de sentimentos. “Nesses 64 anos de história, foi criado um legado, não só para a família, mas para os funcionários, para todos os clientes que participaram da nossa história (...) O Bolão é uma história”, comenta, emocionada.
Resistência
O casarão na esquina vai fechar, mas por outras vezes resistiu. As atividades no local em que ele se tornou um “clássico” de BH sobreviveram à pandemia da Covid-19, quando foi necessário o isolamento. Em agosto de 2020, Karla Rocha contou ao Estado de Minas que o bar se agarrou ao serviço delivery para se manter.
Em 2013, o Estado de Minas acompanhou o sufoco enfrentado com a venda do imóvel. “É toda uma vida aqui. Não gosto de falar sobre a venda, pois dá vontade de chorar. Espero que isso se resolva logo, pois tem sido uma tortura. Não temos o dinheiro suficiente para comprar”, afirmou José Maria Rocha, cujo apelido dá nome ao bar, à reportagem na época. Ele também foi o responsável por criar o rochedão — composto por arroz, feijão, bife, ovo frito e batata frita.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia