Em meio a bate-boca, braço direito de ex-síndica é eleito no Jk
Manoel Gonçalves de Freitas, que atuou ao lado da antiga síndica por 38 anos, foi eleito em meio a protestos e questionamentos sobre a legalidade da eleição.
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Siga noA eleição do novo síndico do Conjunto Governador Kubitschek, mais conhecido como Edifício JK, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, aconteceu na manhã desta terça-feira (30/09) e foi marcada por discussões, vaias e protestos. Ao fim da sessão, realizada no auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), o então síndico em exercício, Manoel Gonçalves de Freitas, foi eleito para o cargo.
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Por mais de 40 anos o condomínio foi chefiado por Maria Lima das Graças de 78 anos. Ela foi internada no Hospital Felício Rocho no dia 20 de agosto e, desde então, o cargo era exercido por Manoel, que trabalhou ao lado da antiga síndica por 38 anos.
Proprietários e inquilinos presentes questionam o resultado da votação, uma vez que os votos não foram contabilizados e divulgados pela mesa diretora. “A mesa falava que os moradores se manifestavam, mas não éramos ouvidos, eles passavam por cima e aprovavam o que queriam, literalmente. Eu estou chocado, foi a maior palhaçada que eu já vi na vida”, disse Rafael Silva de Paula, morador do condomínio.
Desde o anúncio da assembleia extraordinária, a oposição da atual gestão questionou a legalidade da eleição para um novo síndico, uma vez que o regimento do condomínio a permite apenas em assembleias ordinárias. Parte dos presentes tentou impedir que a votação acontecesse.
A moradora Julieta Sueldo Boedo contou, ainda, que foram utilizadas táticas para confundir quem estava votando. Ela recolheu assinaturas ao término da assembleia a fim de registrar o posicionamento dos moradores contrários ao que foi aprovado esta manhã.
“Eles falavam assim: ‘Quem não aprova fique onde está’, por exemplo, para confundir todo mundo”, relata. “Esse documento é apenas um simples registro da maioria das pessoas contrárias que estavam presentes, manifestando que nós não aprovamos nenhum dos pontos da ordem do dia”, conclui.
A entrada no auditório foi permitida apenas para proprietários e para inquilinos com procuração. Uma moradora que não quis se identificar confirmou que, mesmo na ausência da proprietária de seu apartamento, foi barrada na assembleia, contrariando a lei do inquilino.
Falta de transparência
Entre outras questões pautadas para o dia estavam novas regras para circulação de animais de estimação, cadastro eletrônico para moradores para envio de boletos e autorizações, modernização da iluminação, entre outros. A cada rodada, a aprovação era feita de forma quase automática, inclusive a escolha do novo síndico, pois Manoel estaria de posse de centenas de procurações que formavam maioria. Vaias e protestos de indignação podiam ser ouvidos do lado externo do prédio onde a reunião ocorreu.
Moradores relataram ao Estado de Minas que não tiveram acesso aos documentos para validar sua autenticidade ou poder contar quantas procurações realmente havia. Segundo uma integrante da mesa, as procurações podiam ser analisadas apenas pela própria mesa.
“O maior problema foi a falta de transparência, principalmente em relação às procurações. Havia muitas procurações na mesa mas foi impedido o acesso e a verificação dessas procurações. Isso infringiu o direito dos condôminos que não puderam verificar se os votos estavam válidos. Isso deu início à problemática que a gente acabou vendo até ao ponto de quase iniciar agressões físicas”, afirmou Renan Gouvea, advogado que representa um grupo de mais de 40 condôminos.
Ao fim da sessão, Manoel afirmou que vai prestar contas enquanto estiver à frente da administração do condomínio. Disse, ainda, ser mais aberto ao diálogo do que a ex-síndica, Maria Lima das Graças. “Eu sei que tem muita gente que não concorda, mas eu represento a maioria e vamos fazer um excelente trabalho”, declarou.
O advogado Renan Gouvea declarou que existe a possibilidade de mover uma ação contra o novo síndico e contra a administração do condomínio.
Discussões acaloradas
No ponto mais acalorado das discussões, Manoel exigiu que uma das proprietárias, a empresária Ana Luísa Guimarães, fosse retirada do auditório. Ela conta que, quando o segurança tentou tocar em seu braço, várias pessoas se levantaram para defendê-la. Diante da possível violência por parte do segurança, várias pessoas cogitaram chamar a polícia. Segundo o novo síndico, Ana estaria agindo de forma agressiva e impedindo os trabalhos da mesa.
“Sou proprietária, portanto tenho total direito de estar no local. Diante da manifestação de que a Assembleia Extraordinária é completamente ilegal e não poderia estar acontecendo, segundo a própria convenção do condomínio, o segurança considerou que eu estava importunando a sessão e por isso decidiu me retirar”, relatou a empresária ainda abalada. “Não toquei em ninguém em nenhum momento”, completa.
Vários presentes deixaram a reunião antes do fim devido à indignação diante do que estava acontecendo. O servidor público Leandro Boaventura contou que ficou rouco de tanto gritar para tentar ser ouvido no meio da confusão.
“Eu saí porque eu não aguentei, minha cabeça começou a doer por causa da baixaria, o presidente da mesa não deixa a gente dar opinião. Todos os votos são contrários ao que eles colocam e mesmo assim ganham. Todas as pautas estão sendo aprovadas porque o próprio síndico em exercício, o senhor Manoel, vota em si mesmo com mais de 200 procurações que ninguém tem acesso”, conta Boaventura.
Troca de gestão?
Maria das Graças, de 78 anos, ocupou o cargo por mais de quatro décadas. Internada no Hospital Felício Rocho, no Barro Preto, Região Centro-Sul da capital, desde 20 de agosto, segundo Faiçal Assrauy, advogado que representa o Edifício JK, ela continua em estado grave. O motivo da internação não foi divulgado.
Durante o afastamento, a administração do Edifício ficou sob o comando de Manoel Gonçalves de Freitas, que trabalhou ao lado da ex síndica por 38 anos. No dia 23 de setembro o Estado de Minas entrevistou moradores do Edifício JK, todos sob a condição de anonimato, que contestaram a escolha do horário da eleição, marcada para a manhã de um dia útil a fim de limitar a participação dos condôminos. Um deles alegou que não houve tempo para organizar uma ou mais chapas e garantir uma escolha mais justa.
O morador reforça que a saída da atual síndica traz um alento, porém, desde que haja alternância de pessoas, "se forem manter quem já está lá, não temos expectativas de mudança".
Um dos receios dos moradores era que se repetisse o que aconteceu na última assembleia ordinária realizada em dezembro de 2024. Maria das Graças foi reeleita para seu 38º mandato, em eleição de chapa única, na qual o possível adversário precisaria apresentar uma caução de R$ 4 milhões. Entretanto, o aporte monetário não foi necessário na atual votação.
Intimidação
No início deste mês, moradores do condomínio contaram ao Estado de Minas que Maria das Graças intimidava proprietários para que assinassem procurações em seu nome, prática que teria sido continuada por Manoel. "Pessoas que trabalham diretamente com ela abordaram alguns moradores, de uma forma um pouco mais intimidadora, para que eles assinem uma procuração que os mantivessem no poder", afirmou um morador que não quis se identificar por medo de represálias.
Outro morador contou que foi até a administração resolver algumas questões burocráticas e a procuração foi apresentada a ele. "Acho que acontece uma coisa meio “amigo do rei”. Se você é, as coisas serão facilitadas para você. Já se for da turma que não concorda... Lá é um lugar muito burocrático", comentou.
Mal estado de conservação
Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o Edifício JK foi construído na década de 1950 e conta com 1.139 apartamentos. O conjunto foi tombado como Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte em 2022.
Em 2024, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou uma ação civil pública contra Maria das Graças e Manoel Gonçalves de Freitas Neto. Eles são acusados de adotar condutas “omissivas e comissivas” que teriam causado a deterioração de um bem tombado, além de negligenciar medidas de conservação de significativo interesse ambiental e cultural.
Na mesma ação, o órgão solicitou o afastamento cautelar dos denunciados de suas funções por 120 dias. No entanto, o pedido foi negado pela juíza, permitindo que ambos continuassem em seus cargos. Em sua decisão, ela destacou a ausência de indícios de risco iminente ou de urgência que justificassem a medida, considerando ainda que não havia manifestação da defesa. Uma audiência de instrução e julgamento está agendada para o dia 7 de outubro.
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Também é necessário modernizar os elevadores dos blocos A e B para adequação ao Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Esse documento é exigido para garantir segurança contra incêndio, mas ainda não foi obtido pelo condomínio.