Os caminhos por Minas Gerais de Prevost, agora papa Leão XIV
EM visita locais onde o novo papa esteve em território mineiro na época em que era padre e prior geral da Ordem de Santo Agostinho, em pelo menos duas ocasiões
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Siga noAinda enquanto padre e prior geral da Ordem de Santo Agostinho (OSA), o frei Robert Francis Prevost, agora papa Leão XIV, tinha a missão de visitar todas as comunidades agostinianas para se manter próximo dos ordenados. Na sua vida missionária, o líder religioso esteve em Minas Gerais em pelo menos duas ocasiões: em 2004 para o aniversário de 70 anos do Colégio Santo Agostinho, e em 2012 para a Assembleia Vicarial.
Norte-americano de Chicago, no estado do Illinois, Prevost serviu grande parte da sua vida no Peru até ser convocado pelo papa Francisco para servir como cardeal em Roma, em 2023. Quem o conhece, relata o carisma da igreja latino-americana, marcada pela proximidade com as comunidades locais.
Leão XIV expressou seu carinho pela América Latina logo na sua primeira aparição, quando quebrou o protocolo e deixou o italiano de lado para mandar uma mensagem em espanhol para a Diocese de Chiclayo, a 750 quilômetros de Lima, onde foi bispo e até ontem era arcebispo emérito. "Um povo fiel que acompanhou o seu bispo, partilhou a sua fé e se doou tanto, tanto, para continuar a ser uma Igreja fiel a Jesus Cristo", disse.
Desde quinta-feira, a proximidade com o Brasil também ganhou notoriedade. Nas redes sociais viralizam fotos de Prevost socializando com freis agostinianos e jovens religiosos. Ontem, o arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, recordou uma das visitas de Prevost à Cúria da capital junto a outros religiosos agostinianos. “Rezemos por nosso Papa”, escreveu o bispo em suas redes sociais.
Ao Estado de Minas, o diretor do colégio Santo Agostinho, Clovis Oliveira, que acompanhou o então frei Prevost em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o descreve como uma pessoa “extremamente simples”. “É uma pessoa muito próxima. Ele fala pouco, mas quando fala, fala com muita profundidade. Era uma pessoa sem muitas cerimônias, deixava que as pessoas cercassem ele, interagissem com ele, sejam crianças ou adultos” disse.
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No colégio Santo Agostinho, uma das principais instituições de ensino da ordem em Minas Gerais e tradicional na capital mineira, o então padre acompanhou apresentações de alunos no teatro e participou de confraternização nas dependências do colégio. Segundo o diretor, o religioso, inclusive, se esforçava para falar português.
Clovis Oliveira ainda lembra que teve seus votos agostinianos colhidos por Prevost em uma das visitas do frei. Segundo as regras da ordem, ao concluírem seus estudos, os iniciantes devem fazer o juramento ao membro de maior hierarquia que está presente no país. No caso, ele foi prior geral por 12 anos, dois mandatos de seis anos entre 2000 e 2012.
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O diretor do Santo Agostinho também acompanhou Prevost no Rio de Janeiro, durante uma visita do frei às comunidades e encontro da juventude agostiniana. Ribeiro diz que o padre se mostrava curioso, tirava fotos, mas a característica que chamou atenção foi a preocupação com as desigualdades.
“O papa sempre teve uma preocupação muito grande com os mais pobres. Esses anos todos que ele viveu no Peru faz com que tenha uma visão muito especial da igreja na América Latina. Quando ele visitava as comunidades agostinianas, era sempre lembrando, primeiro, do valor muito grande para os agostinianos que é a vida em comunidade, a vida fraterna, mas também dos mais necessitados. Quando ele visitava as comunidades, era lembrando a todos que olhassem para essa população”, recorda.
“Ele tinha muito interesse pelas cenas que envia e pelas realidades tão diferentes, em especial aquelas situações de maior vulnerabilidade. No Rio nós temos, por exemplo, uma obra social muito interessante que é o Aiacom, ele visitou esse lugar e conversou com as pessoas”, emendou Clovis Oliveira.
Assembleia na Grande BH
Outra cidade de destaque onde Prevost celebrou missas e participou de encontros da Ordem de Santo Agostinho foi Mário Campos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No município de 15,9 mil habitantes a 40 quilômetros da capital, o então padre presidiu assembleias agostinianas em um espaço de retiro que antes era chamado de Recanto Santo Agostinho. Lá, ele também colheu votos de alunos que iniciavam na ordem.
Atualmente, o recanto recebe o nome de Centro Agostiniano em Ecologia Integral ilAli. O espaço agora é utilizado para introduzir os alunos do colégio agostiniano e de outras instituições da região em questões ambientais com base na encíclica Laudato si’ do papa Francisco, documento em que o ex-pontífice faz um apelo para a unificação do combate às mudanças climáticas.
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“Hoje o ambiente é um centro de ecologia onde nós fornecemos ali uma série de oficinas, educação para a sustentabilidade à luz do que falava o papa Francisco. O que levou a criação do espaço é também a encíclica Laudato si’, que completou 10 anos agora”, disse Clovis Oliveira.
O frei Paulo Cintra, gestor da unidade com 260 mil metros quadrados de área de preservação ambiental, explica que o espaço surge como uma resposta às exigências e provocações do papa Francisco. O religioso ressalta que a preocupação com a ecologia integral é um valor para os freis agostinianos em Belo Horizonte, e espera que Francis Robert Prevost dê continuidade a essa linha do seu antecessor na cadeira de São Pedro.
“O papa Leão XIV está em íntima comunhão com a eclesiologia do papa Francisco. Nós acreditamos que, guiado pelos valores agostinianos, e também pelos ensinamentos de Francisco, ele dará seguimento a essa pauta da ecologia integral”, disse.
Prevost também recebeu a profissão solene de Cintra ao noviciado da ordem durante a passagem do padre por Mário Campos. Segundo o religioso, apesar do contato curto, era possível perceber um sujeito de “profunda humildade e simplicidade”, apesar do importante cargo que ocupava. “Ele não fazia distinção de pessoas, era muito acessível e fraternal. Ainda que não falasse fluentemente o português, arriscava o ‘portunhol’ com aqueles que não sabiam o espanhol”, reiterou frei Paulo Cintra.
A prefeita de Mário Campos, Andresa Rodrigues (PSB), não teve contato com Prevost durante suas passagens pela cidade, mas destacou a honra e alegria de ter um espaço que teve a presença de um futuro pontífice. Católica, ela costumava frequentar o Centro Agostiniano de Ecologia Integral para as celebrações locais, agora, ela pretende nomear algum espaço da cidade como “Leão XIV”.
“Quando nós tomamos conhecimento de quem era o papa e fomos fazer as consultas, foi algo que nos emocionou. Saber que esse espaço, que para nós é um lugar muito abençoado, recebeu então a presença do papa, é algo muito grandioso e que nos inspira a ter a certeza que Mário Campos é uma cidade abençoada. Essa afirmação veio para poder dizer: ‘Nós estamos no caminho certo’”, disse.
A gestora classifica o espaço como “extremamente importante” para a preservação da cidade. Aqui recebe-se diversas pessoas de outros lugares que vem conhecer a preservação ambiental. Mário Campos tem um cuidado especial de preservação em razão de termos a maior fonte de água mineral por vazão espontânea do mundo, e o pico dos Três Irmãos, patrimônio tombado. Ter um espaço como esse é de grande riqueza”, afirma.
Surpresa
A trajetória de Prevost dentro da Cúria Romana é recente. O frei agostiniano nasceu em 1955, foi ordenado padre em 1982, e dois anos depois iniciou sua atuação como missionário no Peru. Ele foi nomeado administrador da Diocese de Chiclayo e então bispo somente em 2014. Nove anos depois ele recebeu o barrete vermelho de Cardeal, sendo nomeado para funções importantes na cúpula do Vaticano: prefeito do Dicastério para os Bispos (uma espécie de secretária responsável por auxiliar o papa na nomeação de bispos) e presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina.
Apesar da ascensão rápida, há 13 anos não era possível imaginar que ele chegaria a ser o sucessor de Francisco, de acordo com o relatado pelos agostinianos que o conheciam. Clovis Oliveira conta que estava em uma reunião quando o “habemus papam” foi pronunciado na sacada da Basílica de São Pedro, e custou a acreditar que tinha ouvido o nome “Prevost” da boca do cardeal protodiácono Dominique Mamberti.
“Eu pensei: ‘será que eu escutei corretamente?’. Então eu recebo uma ligação do amigo frei Paulo Cintra gritando: ‘É o Prevost, é o Prevost’. Aí nossa alegria foi muito grande. Nós interrompemos tudo que a gente estava fazendo naquele momento, saímos no pátio do colégio, fomos na sala dos professores e a euforia foi muito grande. Eu diria que a nossa comunidade está em júbilo. É uma alegria muito grande termos um papa agostiniano”, exclamou.
Paulo Cintra afirma que esperava a ascensão de Prevost para bispo, relatando que o então frei agostiniano era uma figura “fácil no trato” e com uma capacidade “intelectual invejável”. “Não era estranho a nomeação dele como bispo. Foi uma surpresa para nós quando ele foi nomeado cardeal, mas motivo de orgulho muito grande para a ordem no mundo todo. Com a morte do Francisco, a gente tinha esperança de que fosse eleito papa, mas o cenário era de muitas alternativas. Se falava muito de outros nomes, e a gente ficava naquele sonho”, explicou.
Agora o frei, vive na expectativa de uma visita do papa Leão XIV ao Brasil ainda em 2025, mesmo reconhecendo que agora se trata de uma liderança universal. Cintra ressalta que agora cabe à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) o convite ao novo pontífice, e a entidade já manifestou interesse em trazê-lo para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) que neste ano ocorre em Belém, no Pará.
“Agora a ordem tem outro nível de relacionamento com ele, porque vai depender das obrigações enquanto papa. O nível de relação e de trabalho dele vai para outro lugar. É claro que a amizade, a proximidade, o encontro é possível. (...) Mas a expectativa é que ele possa voltar ao Brasil ainda nesse ano”, disse.
“Eu sou agostiniano”
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Ao assumir o nome de Leão XIV, Prevost carregou o orgulho de ser membro da Ordem de Santo Agostinho. Na Basílica de São Pedro ele também exclamou: “Sou agostiniano, um filho de Santo Agostinho que dizia: “Convosco sou cristão e para vós sou bispo”. Neste sentido, podemos caminhar todos juntos em direção à pátria que Deus nos preparou”.
Frei Paulo Cintra ressalta ainda um detalhe que pode ter sido olhado com sensacionalismo. A cruz carregada no peito de Prevost era dourada, diferente da carregada por Francisco que era prateada. Segundo o religioso brasileiro, o objeto foi um presente de freis agostinianos que contém dentro pedaços de relíquias de Santa Mônica e outros beatos agostinianos. “Ele carrega no peito um pedaço de agostinho”, disse.
O frei ainda explica o que valores são levados pelos agostiniano, baseados no carisma e em três pilares: interioridade, vida comunitária e o serviço à igreja. O primeiro diz respeito a experiência com Deus, feita dentro de si, se reconhecendo. “Se descobrindo, também se descobre Deus”, explica.
A vida comunitária foi uma das condições para Santo Agostinho aceitar o cargo de bispo, ainda no século IV. Para a ordem, o valor tratasse de considerar os freis como amigos. “Não é apenas um vínculo institucional, mas um vínculo pautado na amizade”.