Ao longo de seus 12 anos de pontificado, o argentino Jorge Mario Bergoglio elevou três templos do estado à condição de basílica e beatificou três mineiros
Fiéis rezam diante de escultura de francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, no interior do Santuário Nossa Senhora da Conceição, em Baependi, no Sul de Minas, onde a beata está sepultada. hoje, haverá celebrações em louvor à mineira crédito: Santuário Nossa Senhora da Conceição/divulgação
O papa Francisco deixou marcas em Minas Gerais, e não foi só no coração de uma legião de católicos. No seu pontificado, encerrado há duas semanas, houve a elevação de três templos à condição de basílica, sendo uma delas a menor do mundo. Além disso, três mineiros foram beatificados, estando agora na fila da canonização.
Nas cidades por onde os beatos passaram, as romarias são contínuas a santuários, memoriais e locais de sepultamento. É o que ocorre em Baependi, na Região Sul de Minas, que celebra hoje 12 anos da cerimônia de beatificação de Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica (1810-1895), primeira negra no país a receber tal reconhecimento da Santa Sé. Foi também a solenidade pioneira dessa natureza, em território nacional, já com o argentino Jorge Mario Bergoglio ocupando o trono de São Pedro – com o nome Francisco, ele assumiu o posto de líder de 1,4 bilhão de católicos em 13 de março de 2013.
Além da Beata Nhá Chica, natural do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes, em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, outros laços prendem o papa Francisco ao estado que não chegou a visitar. No seu pontificado, também se tornaram beatos Francisco de Paula Victor, o Padre Victor (1827-1905), em 2015, após duas décadas de espera pelos admiradores do candidato a santo; e Isabel Cristina Mrad Campos (1962-1982), cuja cerimônia de beatificação emocionou a terra natal, Barbacena, na Região Central.
No âmbito dos espaços sagrados, Minas ganhou, em 2017, por determinação de Francisco, duas basílicas, ambas no topo da Serra da Piedade, em Caeté, na Grande BH. A ermida do século 18, que guarda a imagem da padroeira de Minas, atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), se tornou Santuário Basílica da Piedade – Padroeira de Minas, a menor basílica do mundo. A Igreja das Romarias, por sua vez, recebeu o nome de Basílica Estadual Nossa Senhora da Piedade. Ainda por decreto da Santa Sé, Nossa Senhora da Piedade se tornou, em 2022, padroeira da Arquidiocese de BH, da qual fazem parte 27 municípios e a capital.
Em Romaria, no Alto Paranaíba, o templo dedicado a Nossa Senhora da Abadia, vinculado à Diocese de Uberaba, foi elevado a basílica em maio de 2024. O título lhe confere, a exemplo dos demais, ligação direta com o Vaticano. “É uma igreja do papa”, diz o reitor do Santuário Basílica Nossa de Senhora da Abadia de Água Suja, padre Márcio Ruback. Neste período de “Sede vacante”, sem o papa, um dos dois símbolos enviados pelo Vaticano, o ombrellino (guarda-chuva), está fechado, e será reaberto apenas quando o novo pontífice for conhecido. O outro símbolo é o tintinábulo (sino).
O Santuário Nossa Senhora da Conceição, conhecido popularmente por Igreja de Nhá Chica, em Baependi, terá missas neste domingo às 7h, às 9h, às 11h e às 15h em louvor à mineira beatificada em 4 de maio de 2013. Na cerimônia que reuniu cerca de 40 mil pessoas esteve presente o cardeal Angelo Amato, então prefeito da Congregação da Causa dos Santos e representante do papa. Em paralelo, durante missa no Vaticano, Francisco disse estar unido a todos os brasileiros na beatificação.
Na última quinta-feira, como ocorre tradicionalmente em todo 1º de Maio, milhares de peregrinos foram, a pé, ao santuário de Baependi, onde Nhá Chica viveu por mais de sete décadas. Segundo o reitor, padre Marcus Vinícius Tertuliano Ribeiro, a festa da beatificação provocou mudanças no município. “A partir daquele momento houve aqui um crescente número de fiéis, com reflexos na economia local, a exemplo do surgimento de pousadas, restaurantes, lanchonetes e lojas de suvenires, entre outros.”
Com o aquecimento da economia, o santuário, que guarda a relíquia e a história da beata, precisou se adaptar aos novos tempos, sendo necessário “o aumento no número de funcionários e voluntários que ajudam na divulgação em mídias sociais e material impresso, além do atendimento ao público”.
A comunidade católica comemora o dia da beata em 14 de junho, data da sua morte no ano 1895. Viveu 87 anos e está sepultada no interior da capela por ela construída. Nhá Chica chegou a Baependi ainda criança, vinda do Campo das Vertentes, acompanhada da mãe e do irmão, Teotônio. Dentre os poucos pertences, trouxeram uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Em 1818, a mãe faleceu, deixando “aos cuidados de Deus e da Virgem Maria” as duas crianças – a menina com 10 anos, o menino, com 12.
Conforme os estudos, Nhá Chica soube administrar muito bem e fazer prosperar a herança espiritual recebida da mãe. Rejeitou com liberdade todas as propostas de casamento que lhes apareceram.
Analfabeta, compôs uma novena dedicada a Nossa Senhora da Conceição e, em Sua honra, ergueu, ao lado de sua casa, uma igrejinha, onde venerava uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição. Em 1954, a Igreja de Nhá Chica (atual santuário) foi confiada à Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor. Desde então, teve início, bem ao lado do templo, uma obra de assistência social para crianças necessitadas.
Nhá Chica se dava bem com pobres, ricos e os mais necessitados. Atendia quem a procurava, sem discriminar ninguém, sempre tendo uma palavra de conforto. Desde muito jovem, era procurada para fazer orações e dar conselhos e sugestões a pessoas que lidavam com negócios Muitos não tomavam decisões sem consultá-la. Considerada “uma santa”, tinha uma resposta tranquila a quem lhe perguntava sobre seu jeito de ser: “… É porque eu rezo com fé”.
Em dezembro de 2022 ocorreu, em Barbacena, a cerimônia de beatificação de Isabel Cristina Mrad Campos, assassinada brutalmente 40 anos antes Luiz Felipe /Arquidiocese de Mariana – 10/12/2022
APÓSTOLO DA CARIDADE
Dois anos e seis meses após a cerimônia em Baependi, foi a vez de Francisco de Paula Victor, o Padre Victor (1827-1905), se tornar beato e ganhar a honra dos altares por ter um milagre reconhecido pelo Vaticano. A cerimônia ocorreu em Três Pontas, também no Sul de Minas, em 14 de novembro de 2015. No segundo semestre, há duas datas importantes para os fiéis: os 120 anos da morte de Padre Victor, em 23 de setembro, e uma década da beatificação (14/11).
“Estamos sempre celebrando o Padre Victor, o apóstolo da caridade, nosso anjo tutelar”, diz o cônego José Douglas Baroni, pároco e reitor do Santuário Nossa Senhora da Ajuda, de Três Pontas, vinculado à Diocese de Campanha. “Padre Victor e o papa Francisco estiveram próximos na sua missão”, ressalta o reitor, apontando um traço de união entre os dois que remete a São Francisco de Assis, cuja vida foi dedicada aos pobres. “Ambos são Francisco. E Nhá Chica também é Francisca.”
No Santuário Diocesano Nossa Senhora da Ajuda, a visitação ao túmulo do sacerdote é intensa, e muitos dos devotos acreditam que, futuramente, Padre Victor será o primeiro santo negro brasileiro – de genuinamente brasileiro, só existe São Frei Galvão, canonizado em cerimônia em São Paulo em 2007, pelo papa Bento XVI (1927-2022). Em 2019, foi canonizada a Irmã Dulce dos Pobres, natural de Salvador (BA).
A cada 23 de setembro, cerca de 50 mil pessoas visitam o santuário e o memorial, coordenado pela Associação Padre Victor, vinculada à Mitra Diocesana. Natural de Campanha, era filho de uma escravizada e residiu em Três Pontas durante 53 anos. No memorial dedicado ao beato, ao lado do santuário, se encontram expostos paramentos usados pelo sacerdote, livros, fotos de procissões, objetos pessoais, uma escultura em tamanho natural e documentos.
Na manhã de 10 de dezembro de 2022, ao som de “Aleluia de Handel”, foi beatificada em Barbacena, na Região Central, a mineira Isabel Cristina Mrad Campos (1962-1982). A cerimônia, com missa solene, foi presidida pelo representante da Santa Sé, o cardeal emérito de Aparecida (SP), dom Raymundo Damasceno Assis.
Isabel Cristina foi assassinada aos 20 anos, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, em 1º de setembro de 1982 – data que passou a ser comemorativa em seu louvor. Foi morta por um homem que, ao tentar violentá-la e não conseguindo tirar sua virgindade, desferiu-lhe 15 facadas. Na época, ela se preparava para o vestibular de medicina. Como se trata de um martírio, não foi necessária a comprovação, na Santa Sé, de um milagre.
Na imagem presente nos altares de templos católicos, a Beata Isabel Cristina traz lírios e uma palma na mão direita, enquanto, no dedo indicador da mão esquerda, sobre o peito, está o anel-terço da fé em Cristo. Durante a cerimônia, foi apresentado um quadro da mártir, trazendo ao fundo um jardim com 15 rosas, as quais representam as flores tradicionais de Barbacena e os 15 golpes que puseram fim à sua vida.
Com a beatificação da Serva de Deus Isabel Cristina, Minas tem seu quarto beato (dois homens e duas mulheres) na Igreja Católica, último passo antes da canonização. O primeiro foi Padre Eustáquio (1890-1943), que se tornou beato em 15 de junho de 2006, dia de Corpus Christi, no estádio do Mineirão, em BH. Nascido na Holanda, trabalhou durante muitos anos em Minas e morreu na capital mineira, onde está sepultado.