Tecnologia para superar a topografia belo-horizontina
Cada vez mais usadas pela população, bicicletas elétricas são opção para quem precisa se deslocar até o trabalho, para estudo ou lazer e sofre com os morros da
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Siga noOs morros da capital mineira são, historicamente, um obstáculo árduo para os projetos de mobilidade. A exemplo deste desafio da geografia, relatos da década de 1920 contam sobre bondes que subiam a Rua da Bahia tão vagarosamente que aqueles que seguiam a pé conseguiam acompanhá-los. Desde então, teve-se a construção do imaginário de que os aclives acentuados de Belo Horizonte são impeditivos para a implantação de transporte sob trilhos e, também, de ciclovias – afinal, precisa-se de muita disposição e forças nas pernas para enfrentar a inclinação de uma Avenida Afonso Pena ou uma Avenida Bias Fortes. Contudo, as bicicletas elétricas, dotadas de pedal assistido, livram a maior parte do esforço dos ciclistas e fazem com que muitas pessoas voltem a pedalar, abrindo portas para novas possibilidades na mobilidade da capital.
A experiência de conduzir as bikes elétricas é semelhante à das convencionais, com a diferença de que um motor auxilia nas pedaladas e torna mais fácil vencer os morros. “Elas são elétricas, se faz menos esforço. Mas, no fim, acaba sendo uma atividade física”, relata a técnica de enfermagem Cristina do Pilar, de 34 anos, uma destas pessoas que há muito tempo não subia em um selim, e, agora, pedala diariamente.
Ela é cliente da Tembici, serviço de bicicletas elétricas compartilhadas que se instalou na capital mineira no final de 2023. Passado pouco mais de um ano, o aplicativo bateu a marca de 1,2 milhão de quilômetros pedalados pelos usuários, conforme dados fornecidos à reportagem com exclusividade.
As bikes elétricas fazem parte da rotina de Cristina no deslocamento entre a Estação Central do metrô, no Centro, e o hospital onde trabalha, na Alameda Ezequiel Dias – distantes cerca de um quilômetro. Os minutos economizados sobre duas rodas fazem a diferença no trajeto exaustivo enfrentado pela técnica de enfermagem todos os dias, completado com metrô até Contagem e ônibus até Betim, onde mora. “Às vezes o metrô chega atrasado no Centro e, com a bicicleta, em cinco minutos eu estou no serviço. Sem ela, são uns 12 minutos de caminhada”, detalha.
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Há quem use o serviço para economizar dinheiro ou ir a locais que o transporte público não atende adequadamente. É o caso do empreiteiro Francisco Lindemberg Duarte, de 57. Ele utiliza as bicicletas elétricas para chegar até a Rua Sergipe, onde trabalha, pois a Estação São Gabriel, atendida pela linha de ônibus do seu bairro, não possui ligação ou integração para a Savassi. “Como eu sou autônomo, eu pago minha passagem. Acaba que com o aplicativo fica mais barato do que pagar mais um ônibus”, relata o empreiteiro que, pelas suas contas, economiza mais de R$ 110 por mês com essa condução a menos.
Novos comportamentos
Os exemplos de uso das bicicletas elétricas por Cristina e Francisco se encaixam no conceito de micromobilidade, que abarca deslocamentos curtos realizados em veículos leves, como as próprias bicicletas, patinetes e triciclos. Estas viagens geralmente são feitas para completar um percurso maior, feito em transporte público. No caso dos dois supracitados, o uso das bikes é feito na rede de bicicletas elétricas da Região Central, com estações distribuídas dentro da Avenida do Contorno.
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Hoje, parte da demanda pela micromobilidade na região tem sido atendida pelos carros e motos de aplicativo, apesar do conceito se referir propriamente aos veículos leves, conforme explica o professor Rodrigo Affonso de Albuquerque Nóbrega, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Está sendo comum uma pessoa fazer uma parte da viagem dela de ônibus, aí chega no Centro e chama um aplicativo, que é mais rápido”, detalha.
O especialista avalia que a expansão da rede de bicicletas elétricas compartilhadas, atualmente restritas às regiões Central e Pampulha, pode vir a ser demandada em outros pontos da cidade à medida que mais pessoas se tornem adeptas da tecnologia. “A bicicleta talvez seja a alternativa mais sólida de micromobilidade, porque não é um equipamento novo e pouco testado, como eram os patinetes elétricos", defende.
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A fala do professor faz referência à rede de patinetes elétricos compartilhados implantada na capital mineira em 2019 e extinta no ano seguinte. À época do lançamento, o serviço conquistou muitos usuários, mas a queda da popularidade nos meses seguintes e questionamentos sobre a sua segurança, após um cliente morrer num acidente com patinete, levaram a experiência ao fim.
Por sua vez, o atual momento das bicicletas elétricas, iniciado em setembro de 2023, parece não ser passageiro. Números da Tembici mostram que ocorreu um aumento de 51% nos deslocamentos do aplicativo no segundo semestre do ano passado em comparação aos seis meses anteriores. Tal crescimento motivou a expansão do serviço, iniciado com 100 bicicletas em 10 estações, e que conta hoje com 500 bicicletas em 51 estações.
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A diretora de relações governamentais e ESG da Tembici, Camila Couto, conta que o desempenho da rede em BH tem sido satisfatório, e que a prioridade do momento é monitorar a performance da operação. “Esses dados mostram que a micromobilidade é uma demanda crescente, com as pessoas repensando hábitos tradicionalmente centrados no carro”, disse.
Planos
A declividade acentuada das ruas de Belo Horizonte apresentaram um desafio inicial para a implantação da Tembici. Tanto que a capital mineira foi a primeira a receber um sistema exclusivamente elétrico do aplicativo, sem unidades de bicicletas convencionais. “Desde o início, entendemos que as bicicletas elétricas seriam a solução ideal para atender às demandas da cidade, pois facilitam deslocamentos em relevos diversos, reduzindo o esforço de quem pedala e ampliando as possibilidades de uso no dia a dia”, explica Camila.
Na avaliação do professor Rodrigo Affonso de Albuquerque Nóbrega, a tecnologia do pedal assistido abre possibilidades para que os ciclistas possam criar rotas sem a necessidade de evitar os morros. O acadêmico foi um dos responsáveis pelo Mapa de Declividades de Belo Horizonte, criado, entre outros motivos, para mapear potenciais locais de expansão da rede cicloviária que escapasse de trajetos demasiadamente íngremes – o trabalho mapeou as inclinações de mais de 53 mil trechos de vias da cidade.
O referido estudo subsidiou o Plano de Mobilidade de Belo Horizonte (Planmob), desenvolvido pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que norteia os projetos públicos para transporte e trânsito na capital. O documento estabelece a meta de que até 2030 se chegue a 1 mil quilômetros de rede cicloviária, que inclui ciclovias, ciclofaixas, rotas cicláveis e ruas compartilhadas em Zonas 30 km/h. Hoje, este número está muito aquém do previsto, com 116 quilômetros de rede, sendo que a meta para 2025 era de 750 quilômetros.
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Atualmente, o principal projeto cicloviário defendido pela prefeitura é do da requalificação da Avenida Afonso Pena, na qual está incluída a construção de uma ciclovia no canteiro central. A obra teve início no ano passado, mas foi paralisada devido a um imbróglio judicial. Não obstante, a sua retomada faz parte das metas para 2025 da Superintendência de Mobilidade (Sumob), assim como a expansão da rede de bicicletas elétricas compartilhadas com 50 novas estações.
Alternativas
O crescimento da cultura do ciclismo na capital mineira não precisa passar necessariamente pelo uso de bicicletas elétricas, defende o professor Rodrigo Affonso. O acadêmico cita o estudo desenvolvido por uma aluna que traçou uma potencial rota de ciclovia no Bairro Santa Tereza, na Região Leste, na qual se evita ruas íngremes enquanto se aproveita de vias com pontos de interesse para moradores e potenciais ciclistas. "A rota não seria aquela linha reta direta, muito menos uma linha plana, mas passaria por uma região que poderia ter um incentivo de desenvolvimento econômico local, e que a ciclovia poderia apoiar", argumenta.